9. Me apaixonei pela mulher errada

100 4 1
                                    


- Sua vida pregressa não me interessa – falei, sem muita convicção, tentando fazer graça.

Ana deu uma de suas gargalhadas espontâneas que me soou menos espontânea que o normal, e me abraçou por um tempo e com uma força também diferentes. Ou eu é que havia mudado? Tinha acabado de ouvir que a mulher por quem eu estava apaixonado era uma prostituta. Sem qualquer chance de um mal-entendido porque era ela mesma quem dizia...

***

Me mudei para São Paulo no tranco, por uma oportunidade de trabalho dessas que a gente não joga fora. Não tive os dias de praxe para encontrar apartamento, organizar a vida, me acostumar com a cidade. Fui catapultado para um escritório cujo ritmo era frenético, o horário, inexistente, com uma reunião atrás da outra até tarde da noite. Quando eu chegava no apartamento alugado, tropeçando em caixas de mudança abertas, mas ainda cheias, tudo que eu queria era tomar um banho e cair duro na cama. Aos poucos fui me acostumando com a falta de horário e com as caixas espalhadas esperando serem esvaziadas, já fazendo parte da decoração. Não era feliz nem infeliz. Estava focado no desafio aceito de coordenar a campanha do candidato a prefeito do estado mais poderoso e rico do Brasil. Pensar na vida ou no apartamento, ou na mudança para outro estado, seria um desperdício de tempo e energia, absurdo e desnecessário, algo para depois das eleições.

Acabava de sair de um relacionamento de dois anos sem saudade ou sequelas, e meus pais, irmãos ou amigos deixados no Rio, não eram motivo suficiente para eu pegar uma ponte aérea ocasional. E mesmo que fossem, duvido que eu encontrasse tempo. Assim, ia ficando por São Paulo, durante a semana enlouquecido de trabalho, e nos fins de semana, nos poucos em que eu não trabalhava, me recuperando do cansaço acumulado ou tentando esvaziar parte das caixas empilhadas nos quatro cantos da casa.

Meu primeiro convite para sair veio de um colega de trabalho que comemorava seus cinquenta anos. Eu mal conhecia o sujeito, mas achei que devia ir. Era o editor-chefe responsável pelas publicações da campanha e convivíamos quase diariamente no escritório. Além disso, seria bom conhecer gente na minha, agora, nova cidade. Enfrentei a preguiça e lá fui eu para a festa, num belo apartamento com vista para um parque, um lugar bacana e verde em pleno centro de São Paulo.

A música era alta, a bebida, farta, as pessoas em grupos pareciam estar se divertindo e eu fiquei circulando com um copo na mão tentando me enturmar com os poucos que eu conhecia de vista do escritório. Dureza. Me arrependi de ter ido. Quando já não dava mais para aguentar, tonto com a música, bebida ou sono - ou a combinação dos três - fui saindo de fininho. Esperei o elevador chegar, o que me pareceu uma eternidade pois não queria ser visto indo embora.

Quando, finalmente a porta se abriu, entrei, apertei o "T", e suspirei aliviado ao vê-la se fechar. Mas ela parou no meio, com uma mão feminina de unhas vermelhas interrompendo seu movimento, e se abriu de novo.

Vi à minha frente uma linda mulher de corpo escultural que entrou no elevador e me deu as costas, colocando-se pronta para sair. Pude observá-la sem ser visto pelo tempo que se leva para descer do décimo quinto andar ao térreo. Corpo perfeito enfiado num vestido preto justo, cabelos claros presos num coque, saltos altos e finos. Assim que aterrissamos, me deu boa noite sem olhar para trás, e seguiu pela portaria se equilibrando sobre os saltos sem dificuldade.

Bela mulher, saindo cedo da festa, como eu.

Parada, ainda de costas, tirou da bolsa o celular e começou a teclar. Fiz o mesmo, buscando um Uber. Fantasiei por um momento que poderia compartilhar o carro com ela. Não seria nada mal, mas as chances de isso acontecer eram quase as mesmas do meu candidato vencer a eleição, isto é, próximas a zero. Doze minutos para o carro chegar. Teclei aceitando a corrida e me sentei no sofá da portaria enquanto esperava.

Coletânea de ContosWhere stories live. Discover now