Felipe Aleixo Guedes - Nem tudo que sobe

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Sempre fui baixinha, então, para alcançar a mão do meu pai enquanto passeávamos pelos corredores do shopping, erguia o braço em linha reta. 90 graus. Às vezes, inconscientemente, relaxava os dedos e perdia o agarrar daquela mão suada, calejada e bem maior que a minha. Gastava alguns segundos abanando o braço acima da cabeça em uma missão cega, sem desviar os olhos das vitrines coloridas e luminosas, tateando o ar até reencontrar a mão dele, e só então seguíamos viagem até a praça de alimentação.

Aprendi a contar com moedas de 50 centavos e até hoje os valores — quando tenho a cara de pau de conferir algum troco — são pronunciados na minha cabeça com a voz do meu pai.

"...Três, quatro... Cinco! Viu? Já dá pra comprar!"

E eu adorava me lambuzar meio-creme, meio-chocolate e andar pelo shopping tentando tirar com a língua os pedaços de casquinha que ficavam presos entre os dentes. Adorava o gosto doce que perdurava por todo o passeio e adorava as pontas grudentas dos meus dedos. Adorava mesmo, juro. Mas o que eu queria mesmo era o balão.

Vai entender...

"Criança é tudo assim", meu pai dizia. "Cê aguenta os primeiros anos ouvindo choros e tentando entender o que elas querem e aguenta o resto da vida ouvindo o que elas querem e tentando entender o porquê."

Eu queria o balão. O balão brilhante e rechonchudo que a moça do estande vendia. O balão no qual eu via o reflexo deformado e avermelhado de uma garota com olhos enormes, maria-chiquinha e janelinha nos dentes. O balão que ficava no meio do corredor principal do shopping, impossível de ser evitado. Eu queria o balão. Meu pai não entendia o porquê.

"Essa coisa feia?"

"Futua." O 'L' veio tarde para mim. "O baião futua." Veio tarde como o primeiro beijo, o primeiro porre e o primeiro estágio.

"É o gás hélio..."

Permaneci ali, com olhos gigantescos, curiosos e suplicantes.

"Tá bom... Mas cê vai ter que economizar."

E de sorvete não tomado em sorvete não tomado — foram 8 dias com sovaco e boca se enchendo de água — consegui os 20 reais. A moça sorriu para mim, meu pai a imitou e eu também, sorrindo para mim mesma. Uma eu deformada, vermelha e brilhante no reflexo do balão.

Saí saltitando, os dedos apertados ao redor da argola de plástico, e meu pai ficou para trás. Quando me alcançou, suado e de olhos esbugalhados, bufou o aviso:

"Nunca mais sai de perto, ok?"

Passei tempo suficiente com o balão para me afeiçoar a ele antes de relaxar o punho e deixar o gás hélio levá-lo lá para cima. Meu pai ainda deu seu melhor em um salto ridículo que improvisou após subir em um dos vasos de plantas do shopping, mas o balão desapareceu na imensidão daquele teto de geometria confusa e o segurança veio para dar uma bronca. Foi a primeira vez que vi alguém repreendendo meu pai. Era estranho. No meu universo, ele era o único com autoridade moral para dar broncas em quem quer que fosse. Afinal, que posição ocupava aquele segurança na cadeia de comando? A partir desse dia comecei a questionar se meu pai era mesmo um eterno comandante.

Contos finalistas do Concurso de Contos #Ficçomos100kWhere stories live. Discover now