ÚLTIMO CAPÍTULO

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CAPÍTULO Xl


- Petra, você está bem mesmo?
- Estou ótima, vovô - Petra murmurou, virando-se para que ele não visse suas lágrimas.
Ele chegara inesperadamente naquela manhã, logo após Rashid ter ido até os estábulos, ansioso para verificar ele mesmo como estava a neta.
- Não é verdade - ele insistiu, aproximando-se e virando-a.
- Você está chorando. O que há de errado? - ele indagou, sério.
Petra mordeu o lábio. Ainda estava magoada e envergonhada com as lembranças da noite anterior, e não tinha motivos para culpar Rashid. Fora ela que provocara os fatos, mesmo que tenha sido ele a agir e levar ambos a um ponto... um lugar...que jamais imaginara existir.
Estava furiosa consigo mesma por sua fraqueza, incapaz de aceitar o próprio comportamento. Como pudera ceder à tentação? Por que não conseguia deixar de amá-Io, principalmente quando sabia que não havia futuro para eles, que não podia confiar nele?
Rashid não a amava. Ele retomara cedo da viagem de negócios, fizera amor com ela na noite passada... até esperou que adormecesse, mas nunca procurara conversar com ela, dizer-lhe que...
Dizer o quê? Que a amava? Mas Petra já sabia que não havia amor... Ela já sabia que ele fora obrigado a casar-se com ela.
Encontravam-se presos a um casamento que só poderia trazer tristezas a ambos. E agora, graças ao seu comportamento na noite passada, poderia haver ainda mais complicações. E se dessa vez ela tivesse engravidado?
- Você não está feliz - o avô insistia. - Está magra...pálida demais. Não foi isso que imaginei quando vocês se casaram. Vocês combinam tão bem... - O semblante dele tornou-se ainda mais grave.
Petra o fitou. Combinar bem! Como ele podia pensar isso?
- É o que você pensa - tornou ela, pesarosa. - A verdade é que nunca deveríamos ter casado. Rashid não sente nada por mim. Ele não me ama e...
- Petra, que bobagem é essa? - o avô a interrompeu. - É claro que ele a ama, não há dúvida sobre isso. Os sentimentos dele estão claros quando fala de você, nas coisas que faz para você.
- Não! Você está enganado. Como pode dizer que ele me ama? Ele só se casou comigo porque... precisava.
- Precisava?
Consternada, Petra ouviu a risada do avô.
- De onde tirou essa idéia? Claro que não foi nada disso. É verdade que se esperava que casassem, já que passaram tanto tempo juntos sozinhos, mas posso lhe assegurar que Rashid só se casou porque quis. E posso afirmar que essa vontade foi provocada pelo amor que sente por você. - Ele balançou a cabeça. - E, além disso, Rashid nunca se envolveria numa situação tão comprometedora se não estivesse loucamente apaixonado.
Petra ficou estarrecida diante de tamanha convicção.
- Há somente um motivo para que Rashid se casasse com você, Petra - ele repetiu. - O amor que sente por você.
- Se isso é verdade, por que ele nunca se declarou? - ela indagou, exaltada, relutante em acreditar no que ouvia.
- Você lhe disse que o amava? - o avô a desafiou com delicadeza.
Mordendo o lábio, Petra confessou que nada dissera.
- Mas você o ama, não é? - ele insistiu.
Petra não conseguiu responder e percebeu o cenho franzido do avô. .
- Você precisa me contar se me enganei em relação aos seus sentimentos - ouviu-o dizer com firmeza. - Por mais que eu goste e respeite Rashid, você é minha neta. Se descobriu que não o ama, se é infeliz, volte para casa comigo. Se quiser, posso falar com seu marido.
Uma sombra de emoção anuviou o olhar de Petra.
- Estou tão confusa. Há tanta coisa em que acreditava... que pensava... - Ela parou e respirou fundo. - Pensava que Rashid havia se casado comigo por causa dos beneficios financeiros que o casamento lhe traria - confessou, explodindo em lágrimas.
- Beneficios financeiros? - o avô repetiu, divertido.
- Petra - ele começou, sendo interrompido pela torrente de palavras da neta.
- Saud me contou tudo, vovô. Não se zangue com ele. Ele não sabia que eu desconhecia o plano para que Rashid e eu nos casássemos, quer eu quisesse quer não. Saud o idolatra de tal modo que imaginou que eu ficaria feliz e impressionada. Eu sei de tudo... Até meu padrinho pensou que fosse uma boa idéia. Tanto que me abandonou aqui sem meu passaporte para que eu não pudesse partir.
- Petra, minha querida menina... Por favor! Você está se angustiando à toa.
Petra se calou ao sentir a dor na voz do avô.
- Venha, sente-se ao meu lado - ele ordenou com suavidade.
Petra obedeceu, relutante.
- É verdade que alguém sugeriu que vocês se conhecessem e achou que ambos tinham muito em comum. Mas você precisa entender que tudo não passou de uma sugestão feita em tom de brincadeira. Parece que Saud ouviu essa conversa e tirou suas conclusões... erradas. - Seu olhar ficou sério. - Pode ter certeza de que vou ter uma conversa séria com ele sobre esse comportamento e por ter lhe contado suas suposições totalmente infundadas. Como você mesma disse, ele admira muito Rashid, mas posso lhe garantir que seu marido rejeitou a sugestão imediatamente. Rashid é orgulhoso e independente demais, assim como você, para permitir que alguém tome esse tipo de decisão por ele - o avô garantiu, pesaroso. - Quanto ao seu padrinho - ele continuou, dando de ombros -,ele é um político e um diplomata, quem sabe o que passa pela cabeça de homens como ele? As intrigas fazem parte de seu dia-a-dia. Se não existem, eles as criam.
Petra teve de reconhecer que havia um fundo de verdade no que o avô dizia sobre seu padrinho, mesmo que sua descrição fosse um tanto cínica demais.
- Depois de perder Mirna, eu não quis repetir o erro que cometi com ela - ele prosseguiu, balançando a cabeça. - Só houve um motivo para que eu a quisesse aqui em Zuran. Você é minha neta e eu estava morrendo de saudade.
- Vovô, sei que você e Rashid têm negócios juntos, e que ele depende do patrocínio da família real - Petra insistiu. - Sei que houve razões diplomáticas...
Petra olhou para o avô quando ele desatou a rir.
- Por que você está rindo? - ela quis saber, ofendida.
- Petra, Rashid é multimilionário por causa da herança deixada pelo pai. Temos interesses comerciais em comum, é verdade e, naturalmente, a família real é grande admiradora de seu trabalho. Mas Rashid não depende do patrocínio de ninguém.
Balançando a cabeça, ele acrescentou:
- Petra, magoei muito a sua mãe e vou passar o resto de minha vida pagando o preço por isso. Não há um dia sequer em que não me lembre dela ou que não lamente sua perda.
Petra piscou, os olhos úmidos por novas lágrimas. Ela sabia que o avô estava dizendo a verdade.
- Ainda está infeliz? Quer voltar para casa comigo? - ele indagou. - Se quiser, falo com Rashid. A decisão está em suas mãos, mas acho uma pena que duas pessoas que combinam tão bem se separem por mera questão de orgulho, falta de comunicação e confiança.
Seu avô fazia tudo parecer tão fácil...
- Não, não quero que converse com Rashid... Eu mesma falo com ele... - Petra respondeu, corando diante do sorriso do avô.
- Sei que não devo interferir, mas você é minha neta. Parece-me que você e Rashid formam um belo par. Vocês dois são determinados, orgulhosos e independentes. São qualidades boas, mas que, às vezes, podem levar a uma auto-suficiência exagerada, não porque a pessoa queira, mas para se proteger. Talvez você e Rashid não queiram admitir o grande amor que sentem um pelo outro com receio de serem vistos como fracos e carentes.
Petra ficou atordoada ante a capacidade do avô de desvendar seus sentimentos mais profundos e secretos.
O medo da intensidade do amor que sentia por Rashid fora parte do motivo que a fizera resistir a ele. Será que Rashid sentia a mesma coisa?
Reconhecia que ainda tentava aceitar o fato de que cometera um erro de julgamento quanto às razões que o levaram a se casar com ela, mas, por outro lado, ele não procurou se defender.
Teria sido por orgulho? Ou porque ele não se importava com o que Petra pensava e a enganava sobre quem realmente era?
- A vida às vezes nos testa em nossos pontos mais vulneráveis - continuou o avô. - Há muitas formas de mostrar nossa força, várias razões para sermos orgulhosos. Só você pode decidir se vale a pena lutar pelo amor de Rashid, se vale a pena arriscar-se e aproximar-se dele, aberta e honestamente. Rashid já assumiu esse risco. Lembre-se de que ele se casou de livre e espontânea vontade. Talvez agora seja o momento de você se arriscar.
Petra assimilou aquelas palavras em silêncio. Seu avô lhe mostrava um retrato da mente e do coração do marido que não conseguira enxergar, e as possibilidades que se revelavam a partir daí criavam para ela uma imagem deliciosa, inebriante e irresistível do que poderiam partilhar juntos.
- E também me pediram para lhe dar isso - o avô continuou, mudando de assunto. Ele lhe entregou um pacote oval ricamente embrulhado.
- O que é? - Petra indagou, intrigada.
- Abra e veja - ele retrucou com um sorriso.
Ela obedeceu, hesitante, o olhar demorando-se sobre a carta que acompanhava o pacote antes de voltar a atenção ao presente e desembrulhá-lo.
- É uma carta do pai do garotinho, aquele dos estábulos - ela esclareceu. - Ele escreveu para agradecer e... - O som de sua voz diminuiu e ela sufocou um grito ao se deparar com o conteúdo do pacote.
- É um certificado de propriedade de... um cavalo... um filhote de um ano...
- Criação dos estábulos da realeza - o avô explicou. - Eles lhe são muito gratos pelo que fez, Petra. Você salvou a vida de uma criança muito especial arriscando a própria.
- Mas um cavalo!
- Não é um cavalo qualquer, mas um potro que algum dia poderá lhe conquistar uma vitória no campeonato de Zuran - o avô corrigiu com um Sorriso.

UM CONTO ÁRABE Where stories live. Discover now