Os cegos do castelo (2)

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As imagens se sucediam em uma sequencia vertiginosa. Mariana não conseguia ouvir a voz monótona do locutor, presa em um pesadelo só seu. Imagens de Andrew capturadas durante vários momentos dos últimos anos, algumas com ela do lado, passavam rapidamente, culminando no vídeo da explosão do Templo de Niterói. As chamas esverdeadas, sinal de que haviam sido manipuladas magicamente, brilhavam e a libertaram do transe e ela conseguiu captar a fala do jornalista.

- Além do terrorista, identificado apenas como 'Andrew', a polícia também está procurando a jornalista e blogueira Mariana Falcão, suspeita de ser coautora do atentado. Os pais da jornalista saíram do país pouco antes do atentado e as imagens comprovam a forte ligação entre os dois.

Os joelhos de Mari cederam e se Zé não a tivesse segurado, ela teria caído. Ok, ela sabia que obviamente era suspeita. A visita da polícia ao seu apartamento tinha deixado isso bem claro. Agora... tinham veiculado seu rosto na televisão, falado de seus pais. Sua vida tinha acabado, só lhe restando duas opções: a clandestinidade ou se entregar.

- Mari, tudo bem?

Cristina tinha se aproximado e colocado a mão na sua testa. Sentiu uma onda refrescante pelo corpo e agradeceu com um murmúrio. Andrew se aproximou e Mari na mesma hora se ergueu.

- Não quero conversar com você agora, Andy. Sai.

- Mari, eu...

Antes mesmo que ela respondesse, Zé se adiantou e o puxou pelo braço.

- Ela disse 'agora não', gringo.

Cris a levou até o quarto e a fez sentar-se na cama.

- Não tem problema, Mari. A gente vê com outras células, podemos mandar você para a Europa sem muitas complicações...

- Do que você está falando? - Ela ergueu os olhos, confusa. - Não vou a lugar nenhum. Se eu for a Portugal, vou envolver meus pais e eu não quero isso. Eu já estava sabendo que seria assim, só que ver na tevê, ouvir eles falando dos meus pais... foi um baque. Mas se minha vida acabou, só me resta a luta.

Cristina a encarou com atenção e carinho.

- Você quer que eu dispense o Andrew? A célula de São Paulo ficaria com ele, falei com o Tiago e ele...

- Não. Ele fica. Precisamos dele aqui, a ponta de lança do movimento é em Niterói e ele está sendo ameaçado não só pelo Templo, mas por outros magos. Aqui, podemos protegê-lo e ficar de olho nele.

Cris assentiu e ficou em silêncio.

- Eles falaram alguma coisa sobre Bela e Berthier?

- Não, nada. Nem nas fotos eles apareceram.

- Certo. Bom sinal. - Mari respirou fundo e se levantou. - Vamos ter que repensar nossos planos de ação. O Templo está partindo para agressão e vai começar a apreender magos a torto e a direito.

- Sim, ontem mesmo já tive que soltar quatro presos pela polícia, apesar de estarem com a documentação em dia.

- Qual a acusação?

- Prática ilegal da medicina, por terem feito pequenos feitiços de cura, sem maiores danos e dentro das permissões dadas pelo Templo. E são magos Ômega, com um nível extremamente baixo de capacidade manipulação.

Caminharam pelo corredor subterrâneo indo até a cozinha, onde Dom Quixote comia seu almoço e Zé as esperava.

- O gringo e o novato estão na sala, esperando. É para colocá-lo para fora, amor?

Cristina revirou os olhos.

- Não, ele fica. E não faça essa cara de desapontado. Mari, e aí? O que você quer fazer?

-Eis a pergunta de um milhão de doláres...

Quando Mari voltou para a sala, Andrew estava dormindo de boca aberta no sofá enquanto o novato continuava a ver as notícias. Tinham mudado de assunto, felizmente, e passaram para crise econômica e outros assuntos.

- Tudo bem? - Tom a olhou, preocupado.

Mari respirou fundo, tentando ser paciente com ele. Pelo que Cris tinha contado, ele também não tivera uma vida fácil.

- Vai melhorar, cara. Não é fácil ter a sua cara estampada na tevê como terrorista só porque fez amizade com um louco. Pronto para um pouco de ação?

Sua resposta foi um levantar de sobrancelhas.

- Até onde pudemos ver, você não está sendo procurado como foragido. Ainda não emitiram nenhum comunicado nem nada. Então, você vai ser os nossos olhos e ouvidos. Temos um pequeno grupo na vila de pescadores de Itaipu, que cuidam de alguns suprimentos. Preciso de duas caixas que eles tem lá, mas... Cris não pode ir lá e eles não são muito fãs de lobisomens. O Zé te leva de carro, mas você negocia com eles.

- Por mim, tudo bem - ele só hesitou por um momento antes de responder. - Mas eles não me conhecem...

- Você vai levar essa carta em código e não vai ter problemas.

Zé apareceu com Cris.

- Vamos então, calouro? Vou dar uma carona para Cris até o fórum e depois vamos direto para lá.

Despediram-se e deixaram Mariana a sós com o gato e com Andrew. O refúgio era um lugar de passagem para magos fugitivos, enquanto Cristina não encontrava um lugar fixo para eles. Seria o seu lar por algum tempo. Olhou para Andrew, ainda adormecido, e sentiu-se no limiar de uma decisão importante.

- Andrew...

- Mari... o que foi? Aconteceu alguma coisa? - ele acordou sobressaltado.

- Não. Precisamos acertar algumas coisas.

Ele ficou sério, o rosto assumindo uma expressão preocupada, mas não disse nada.

- Certo. Vamos ficar por aqui, já falei com a Cris sobre isso, e vamos ter que ajudar no que pudermos.

- E o que seria isso?

- Treinamento de magos, algumas missões noturnas... Você adiantou em dez anos o confronto para o qual estávamos nos preparando.

Ele ficou realmente surpreso e Mari suspirou.

- Sim. A gente sabia que em algum momento o conflito ia ficar insustentável, mas também sabemos que agora a Ordem do Novo Templo tem a vantagem... Nos últimos dois dias, estouraram duas células nossas em Niterói e mais uma no Rio.

Ele enterrou o rosto nas mãos.

- Tudo culpa minha, né? Você não me contou sobre isso.

- Não. Não confiei em você e peço desculpas pro isso. Mas eu temia que acontecesse algo como... o que aconteceu. Você exagerou.

Ele a encarou e Mari sentiu o coração se apertar. Ela gostava tanto dele, mas tanto... E ele estava sofrendo com tudo aquilo.

- Mari, eu...

- Andrew...

Os dois falaram ao mesmo tempo e sorriram um para o outro.

- Você primeiro, louro - ela disse, o coração batendo alto em seus ouvidos. Ela estivera prestes a declarar o que sentia. Será que ele estava fazendo o mesmo?

- Eu preciso ser sincero com você, Mari... - ele fechou os olhos e suspirou. - Eu não sou quem você pensa que eu sou. Meu nome não é Andrew e eu não sou um simples mago fugitivo. Minha história é muito, muito mais sinistra que isso...

Foi interrompido pelos alarmes que dispararam e se calaram no mesmo momento. No instante seguinte, a sala foi invadida por dois neotemplários, um deles tinha marcas brilhantes no corpo e olhava para Andrew como um tigre encarando a sua presa.

- Encontrei você, aberração!


Fé cega, faca amoladaKde žijí příběhy. Začni objevovat