Os cegos do castelo 3

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A primeira reação de Mariana foi procurar o taser que sempre a acompanhava, escondido no fundo da bolsa – que claro, não estava com ela. O neotemplário esquisito nem a olhou, fixando toda a sua atenção em Andrew. Seu companheiro, no entanto, a observava com um misto de interesse e atenção que era enervante.

– Huguin, finalmente encontrei você – e as marcas no corpo do neotemplário brilharam com força, seu sorriso feral parecendo cheio de dentes afiados. Ela manteve a expressão impávida, mesmo surpresa com o nome que ele dissera. Quando (e ela iria sempre pensar em "quando", não em "se") saíssem daquela enrascada, Andrew teria muito o que explicar. – E inclusive com a blogueira... achei que vocês fossem mais inteligentes e não fossem se deixar capturar juntos.

– Ei, vacilo isso. Chamar de burra não é legal – Mari continuava analisando a situação e teve suas esperanças bastante diminuídas ao ver que o outro soldado, o que parecia humano, estava apontando uma arma na sua direção. – E baixa isso aí ou mostra um mandato de prisão.

– Não preciso disso, garota. Eu respondo ao Vaticano.

Isso fez Mariana gelar. Olhou na direção de Andrew, mas ele estava com os olhos fixos acompanhando o seu inimigo. Quem não o conhecesse, podia achar que ele estava com medo. Mas ela sabia que o que luzia em seu olhar era raiva, ódio. Nunca o vira assim e esperava não ver nunca mais.

– Fenrir... finalmente você me encontrou pros seus donos. Como um bom cão de caça.

O outro literalmente arreganhou os dentes e rosnou, surpreendendo tanto Mari quanto o soldado que o acompanhava.

– Me pergunto se você contou aos seus amigos tudo o que você fez...

– Tudo o que me obrigaram a fazer, é o que você quer dizer... Não, não contei que fui escravizado como você. Eu queria esquecer isso.

Não dava para entender o que Andrew estava querendo, onde ele queria chegar com todo aquele palavrório. Talvez estivesse esperando socorro, que a invasão dos neotemplários tivesse disparado algum alarme que trouxesse os demais até ali?

Ela achava difícil. O procedimento de emergência não era aquele, eles não voltariam sem saber exatamente contra o que lutariam. Nem ela nem Andrew valeriam o fim do movimento. No fundo, apesar de tudo o que acontecera, ainda confiava em Andrew. Se ele estava jogando esse joguinho de distração, iria ajudá-lo.

A cabeça de Dom Quixote apareceu na porta da cozinha e Mari teve uma ideia. A Ordem tinha como política aprisionar e sacrificar os animais encontrados com magos fugitivos – e por bons motivos. A lealdade costumeira dos bichos de estimação costumava ficar ainda mais aguçada quando seu parceiro era um mago. E alguns magos tornavam essa ligação ainda mais profunda com alguns feitiços simples. No caso, Dom Quixote era apenas muito mal humorado e não gostava que ameaçassem seu provedor de comida.

Por isso, bastou apenas um gesto leve de Mariana para que o gato irrompesse aos berros na sala, avançando diretamente para Fenrir. Os dois agentes se distraírem por meros segundos, mas foi o bastante.

– Mari, os olhos!

Ela entendeu na mesma hora e colocou o braço na frente. Em um movimento rápido, Andrew arremessou uma bola de luz na direção dos seus oponentes, cegando-os. Era o tipo de magia que faria os alarmes dos neotemplários ressoarem por todo o estado do Rio de Janeiro, porém com o esconderijo descoberto a discrição já não era necessária.

Mariana e Andrew passaram correndo pelos neotemplários cegos, Dom Quixote no encalço deles.

- O que vamos fazer agora? – Ela tentou não pensar no fato de que havia deixado literalmente tudo para trás, no seu apartamento ou no esconderijo. Havia preocupações mais urgentes.

- Não faço ideia, Mari. – Andrew tinha pego Dom Quixote nos braços e continuavam a correr, indo instintivamente na direção da entrada menos movimentada do parque. – A Cristina tem algum plano B? Um outro esconderijo?

- Tem, mas é longe e não temos como chegar lá sem sermos pegos.

- Táxi?

- Somos fugitivos, gringo. Nossas caras apareceram na televisão e tudo.

Sem parar ou diminuir o ritmo, Andrew passou a mão no seu próprio rosto. Suas feições metamorfosearam-se, a pele tornou-se mais escura e o cabelo sumiu. Surpresa, Mariana ergueu as sobrancelhas.

- Uau. Se for fazer o mesmo comigo, quero ficar ruiva. E de olhos verdes.

O mago apenas sorriu e gesticulou na frente dela, que sentiu um leve formigamento.

- Se eu passar na frente de um espelho e não gostar do resultado, entrego você pessoalmente para a Ordem.

- Pode deixar.

Chegaram no portão sem fôlego, Dom Quixote ainda no colo do americano. Pararam o primeiro táxi que viram e Mariana quase gritou o endereço, em um condomínio da Região Oceânica. O motorista a encarou.

- O gato tem que ir no transporte

- Desculpa, moço. Fomos assaltados e queriam levar o gato, conseguimos fugir, mas o transporte ficou.

- É? Vão pagar como?

Ela deu seu sorriso mais doce.

- Tenho dinheiro em casa.

Ele pareceu satisfeito e voltou a dirigir. Mariana sustentou o sorriso por mais alguns minutos até encarar Andrew e respirar fundo.

- Você sabe que a gente vai conversar muito sério, né?

- Eu sei.

- Isso é um esconderijo? – Andrew olhou ao seu redor, admirado com o luxo.

- Nada melhor do que se esconder a vista de todos, né. A casa está na família da Cristina desde que inauguraram o condomínio e é cheia de proteções, mágicas ou não. Melhor lugar para ficarmos. – Mariana serviu um pote de ração para o gato. Sua tranquilidade ao mexer em armários e gavetas demonstrava que já havia estado ali.

- E fica bem nos fundos do condomínio. – Eles tinham demorado quase quinze minutos entre o portão e a casa. A rua onde estavam ainda tinha três ou quatro lotes vazios e atrás do muro do loteamento, havia uma densa vegetação. – O que fica depois do muro?

- Uma reserva ambiental na serra da Tiririca. Outro motivo para aqui ser o esconderijo secundário é que a matilha do Zé mora nessa reserva. Eles vigiam a casa e seus arredores.

- Ah, lobisomens. São adoráveis. – A careta que ele fez ao dizer isso demonstrava que pensava exatamente o contrário.

- Acho bom se acostumar, pois você vai ficar no radar deles por um bom tempo – ela argumentou, terminando de fazer dois sanduíches que colocou em um prato e levou para a sala, sendo seguida por ele. Sentaram-se no grande sofá de couro olhando a tv desligada. Ficaram em silêncio até que Andrew não aguentou mais.

- Você não vai me perguntar nada?

- Não. Quando Cristina e Zé chegarem, eles vão fazer o interrogatório. Não confio mais em você.

E pela primeira veznaquele dia, mesmo depois de tudo o que aconteceu, ele sentiu medo 

Fé cega, faca amoladaTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon