Versos perdidos (2)

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Versos perdidos 2

Pediu para Bela deixá-lo na rodoviária e se despediu como se jamais fosse voltar a vê-la. Ela segurou as lágrimas e só entrou no carro quando ele entrou no saguão, na direção das bilheterias. Quando ele teve certeza de que ela não voltaria, deu meia-volta, saiu da rodoviária e foi na direção da agência do seu banco. A conta, obviamente, era com nome falso e sempre se podia contar com a magia para disfarçar o que levantaria suspeitas. Os óculos escuros e o boné ajudariam a desviar atenção, o feitiço de ocultação de energia mágica iria protegê-lo se encontrasse algum templário errante. Tirou todo o seu dinheiro, sem se preocupar com assaltos, e encerrou a conta, apesar dos protestos do gerente. Quando o funcionário, inconformado em perder um bom cliente, disse que o processo demoraria de três a quatro dias, perdeu a paciência e o encantou.

Saiu do banco com o papel de encerramento da conta e com a certeza de que se todos fossem magos, a burocracia seria bem menor.

Percorreu a distância entre o centro da cidade e o Campo Bento a pé. Usava óculos escuros como precaução, mas duvidava que já houvesse algum tipo de alerta. Por melhor que fossem os investigadores que a Ordem tivesse colocado atrás dele, ainda demorariam um pouco.

Talvez se colocassem um farejador atrás dele, como aquele babaca que conhecera em Seattle e que quase o pegara antes de conseguir sair do país... Mudou o rumo de seus próprios pensamentos para não se aborrecer. Tinha muito com o que se preocupar, como por exemplo, como sobreviver aos próximos meses. Provavelmente dependeria da caridade de semidesconhecidos, o que seria um golpe para a sua dignidade. Como ela também não andava muito em alta, seria um mal menor.

Aproveitou o passeio para olhar os jornais e riu mentalmente com as diferenças.

Na capa do um, o Secretário Extraordinário de Assuntos Mágicos aparecia em destaque, discursando no Senado. A manchete berrava ‘PSMB acusa blackblocks pela explosão em Niterói’. Em outro, a senadora Marta Suplicy aparecia abraçando uma representante pela causa dos magos e a manchete era ‘PNT exige investigação justa e acusa PSDB de fomentar violência contra magos’. Enquanto este tentava ser neutro, o 15 Minutos estampava um trocadilho sem graça usando bruxas de desenho animado.

Aproveitou a oportunidade e comprou uma edição de A Cidade, o jornal local em que Mariana trabalhava para pagar as contas. A intimidade entre eles era tão grande que ele se gabava de saber o que ela estava sentindo simplesmente lendo seus artigos no jornal. Sentou em um dos bancos que a prefeitura de Niterói espalhara pelas esquinas daquele bairro nobre e abriu o jornal na coluna de opinião.

Não demorou cinco minutos para fechá-lo, amassar em uma bola de papel e procurar a lixeira mais próxima – que obviamente em um exemplo de planejamento urbano ficava a quase 15 metros dos bancos. A coluna de Mariana não tinha título, apenas um ponto de interrogação e era um texto questionando toda a dedicação dela à causa dos magos. Doeu porque ele sabia exatamente quem tinha sido o canalha que a fizera se questionar em algo tão importante.

Ele mesmo.

O texto deixava claro uma coisa. Mariana sabia. Talvez não com detalhes sórdidos, mas ela sabia que tinha sido ele a explodir a catedral, matando 3 pessoas e ferindo gravemente outras 5. Encostou-se em uma árvore e pensou. Iria continuar com o plano, e entraria em contato com Mari assim que estivesse a salvo. Devia a ela pelo menos uma explicação.

“Porra, a mulher ajuda você a criar uma nova identidade, a viver escondido por quatro anos, a montar uma clínica clandestina... foi sua amiga sem questionar, deu apoio, ouviu todas as suas babaquices. Você deve a ela muito mais do que uma explicação.”

Fé cega, faca amoladaWhere stories live. Discover now