Capítulo II

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A última aula antes do almoço é uma altura muito agitada do dia escolar. Claro que é sempre difícil manter a concentração em qualquer parte do dia, mas o último bloco da manhã é precisamente aquele em que os alunos estão saturados de ouvir os professores, e vice-versa, após uma manhã inteira de aulas e ainda por cima com o almoço tão perto. Sendo assim, o cenário caótico da sala 52 era perfeitamente normal.

Havia um ruído geral, apesar disso se olhássemos com mais atenção podíamos ver Jimmy e Rick a copiar os trabalhos de casa da próxima aula, na última fila, e Nicole a falar para todos os lados, ao pé da janela. Pedaços de borracha voavam e até a contínua tinha vindo à sala tentar estabelecer a ordem. Um cenário caótico mas perfeitamente normal.

Por isso, quando se reparava numa rapariga a ouvir a professora era no mínimo estranho. Noutra ocasião, nem o cabelo ruivo a iria fazer notar pois era pouco dada a conversas e mantinha sempre um semblante misterioso. No entanto, agora no meio daquela pequena guerra civil o seu semblante calado e atento era brilhante e sonoro.

-Trriimm- tocou a campainha. Os alunos atropelavam-se para a saída menos a ruiva que arrumava as coisas calmamente.

- Esperem, ninguém sai ainda!- exclamou a professora provocando uma onda de protesto.- Têm de levar as autorizações para a visita de estudo.

A professora deu um papel a cada aluno e parou na única aluna que a esteve a ouvir, dizendo:

- Ava, o teu avô não compareceu na reunião de encarregados de educação.

- Peço desculpa, esqueci-me de o avisar da reunião.

- Seria agradável se ele aparecesse pelo menos uma vez... Vê se não te esquecesses de trazer a autorização assinada.

Ava anuiu e abandonou a sala. A autorização não seria problema todavia trazer Isaac à escola era outra história. Até agora tudo tinha funcionado, o velho aceitara escrever umas quantas assinaturas enquanto encarregado de educação dela e a escola acreditara. Ainda assim, Ava temia o dia em que alguém descobrisse que ela vivia sem a família. Certamente encaminhá-la-iam para uma família de acolhimento, contudo esse era o seu pior pesadelo. Apesar da tenra idade sabia muito bem cuidar de si mesma e ao entrar no sistema perderia a sua independência e autonomia para além de que a sua vida mudaria drasticamente.

Sacudiu os seus pensamentos e dirigiu-se com o tabuleiro para onde Molly estava sentada:

- Olá, tudo bem?

- Sim, acabei de vir de História, passei noventa minutos a morrer.- queixou-se Molly.

- Eu já te disse que se quiseres eu dou-te uma explicação. História é uma das melhores disciplinas, só tens de entender.

- Dispenso! Já tentámos uma vez, lembras-te? Não deu em nada. Mas vamos falar de coisas melhores...

Continuaram a discutir coisas triviais até que foram interrompidas.

- Olá, amor.- cumprimentou Peter enquanto se sentava ao lado de Molly.- Desculpa o atraso, a fila estava enorme.

Ava olhou para o relógio. Uau, vinte minutos de conversa ininterrupta com Molly. Era um recorde! Onde quer que estivesse ou para onde quer que fosse, Molly estava constantemente acompanhada de Peter ou de outro namorado qualquer. Ela não era nenhuma oferecida, apenas uma romântica incurável. E Ava sabia bem a diferença.

- Ava, estás a ouvir-me?

- Não, podes repetir?

- Estava a perguntar se não havia problema em ajudar-te com a matéria de química noutro dia. Peter e eu vamos dar uma volta.

- Não há qualquer problema.

Vamos ser sinceros, Ava e Molly não eram mesmo amigas. Pelo menos Molly não preenchia os requisitos de uma verdadeira amiga para Ava, mas era tudo o que ela precisava: uma companhia para a escola. A morena estava demasiado concentrada no namorado e era demasiado fútil para fazer perguntas às quais Ava não queria responder ou para se colar a ela.

Logo que terminou de comer dirigiu-se para a biblioteca onde o resto da hora de almoço foi passado entre manuais e fórmulas químicas e matemáticas. Hoje era um daqueles dias em que trabalhava até tarde e não tinha tempo para fazer nada em casa.

A DemandaWhere stories live. Discover now