Capítulo VIII

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 Àquela hora o céu já começava a escurecer. Os postes de luz encontravam-se todos ligados e corria um vento frio de cortar. Mesmo assim, as ruas de Brighton ainda eram percorridas por várias pessoas desde trabalhadores e estudantes que voltavam para casa até aos turistas que retornavam aos hotéis. No meio destes transeuntes estavam três adolescentes a caminhar, cada um com uma mochila da escola às costas, que ameaçava explodir a qualquer momento. O rapaz da esquerda tinha um ar descontraído e confiante e usava uma t-shirt branca por baixo do blusão castanho. Por outro lado, o rapaz da direita, embora tivesse as mesmas feições com o cabelo loiro e olhos azuis, não podia parecer mais exasperado. O jovem usava uma camisa e um sobretudo azul-escuro, de onde tirava o telemóvel de cinco em cinco minutos como que para ver as horas. No meio ia uma rapariga com o cabelo ruivo entrançado, um anoraque verde seco e botas tipo Dr. Marten. A sua cara era pensativa e caminhava como se não soubesse para onde ia, no entanto o seu destino era bastante claro. Dirigia-se para o terminal das camionetas. 

Ao lá chegarem David quebrou o silêncio, dizendo:

- Eu vou comprar os bilhetes e talvez seja melhor alguém ir arranjar alguma coisa para comermos.

- Eu posso ir.- ofereceu-se Ava.

A ruiva abandonou a estação e dirigiu-se para o pequeno restaurante do outro lado da rua. Entrou no estabelecimento e pediu três refrigerantes e três cachorros. Ao atravessar a estrada, em direção ao terminal, continuava a refletir sobre aquilo que iriam descobrir em Edimburgo e nas respostas que esperava encontrar. Sendo assim, foi no último instante que viu duas luzes a aproximarem-se dela a toda a velocidade. Atirou-se para a frente e foi por uma questão de segundos que o veículo não bateu nela. Mesmo assim ele não parou e Ava pode ouvir os pneus a chiar na estrada e cheirar o fumo do tubo de escape. Talvez fosse paranoia sua, mas podia jurar que ao volante ia um homem com a cara tapada por uma boina e um cachecol.

*  **  *

A viagem até Edimburgo durou bastante tempo, visto que tinham de atravessar a Grã-Bretanha quase toda. O trio não ficou todo junto, evidentemente, por isso rodavam de lugar entre si para que não houvesse um elemento que ficasse constantemente sozinho. Assim a viagem foi passada a conversar, a ler, a usar a internet grátis do autocarro e a dormir.

Por vezes, paravam em várias cidades para comer e esticar as pernas, todavia a que mais fascinou Ava foi Stratford-upon-Avon. Passava pouco da hora de almoço quando a ruiva decidiu tirar Macbeth da mochila. Já lera aquela obra duas vezes mas nunca se cansava de reler um bom livro.

- Gosta de Shakespeare?

Ava levantou os olhos das páginas. Quem falava era a senhora morena, de olhos verdes que tinha passado a viagem ao lado dela.

- Sim, gosto. É um dos meus autores preferidos.

- Então tens sorte porque amanhã vamos parar em Stratford-upon-Avon.- disse a senhora com um sorriso simpático e de seguida voltou a atenção para o tablet.

Ava não podia caber em si de contente, não era todos os dias que tinha a oportunidade de visitar a cidade de Shakespeare. Claro que David ficou tão entusiasmado quanto ela o que fez com que os dois fossem lado a lado no dia seguinte a falar sobre o dramaturgo e Daniel ficasse no lugar ao lado da senhora morena a ouvir música.

Daniel (Ponto de Vista)

Sabem quando estão a fazer algo que odeiam pelo simples facto de estarem com os vossos amigos? Bem, essa é exatamente a situação em que me encontro. Claro que Ava é uma grande amiga e eu tenho a noção que até tenho um irmão bastante suportável quando comparado com outros, mas quando eles os dois começam com aquela conversa sobre livros a minha vontade é de pegar numa pá e de cavar a minha própria sepultura. Está bem, pode parecer um pouco exagerado contudo estou enfiado neste autocarro há já muito tempo, por isso, deem-me um desconto.

- Nós podíamos começar pela casa de Shakespeare.- continuava o meu irmão.

- Sim, mas eu também quero mesmo ir ao Royal Shakespeare Theatre.- replicou Ava.

- Malta.- pedi atenção.- Eu percebo que isto é bastante importante para vocês no entanto eu e Shakespeare não nos damos muito bem.

- Nem sabes, quando fizemos a apresentação oral sobre Hamlet...- interrompeu David.

- Ninguém te pediu para falar sobre isso! – que mania que ele tem de contar as minhas histórias embaraçosas só para provar que é melhor.- Como eu estava a dizer, vocês deviam ir explorar a cidade à vossa maneira enquanto eu faço as minhas coisas, está bem?

- Ok, mas nem sabes o que vais perder. Encontramo-nos quando faltar meia hora para a camioneta partir. - retorquiu Ava antes de virar as costas.

Finalmente, a conversa sobre literatura tinha acabado. Tenho de dizer que a cidade era bastante bonita com aquele estilo típico inglês, foi apenas um pouco difícil de encontrar um sítio que não aludisse ao escritor que a cidade tinha visto nascer e morrer.

Numa rua larga e banhada pelo sol havia uma pequena porta entre um pub e uma loja de roupa para crianças. Para além do vidro só se viam escadas sendo que estas e as paredes estavam repletas de matrículas. Senti a curiosidade a despontar e entrei. No andar de cima estava uma daquelas lojas que vende artigos de todo o tipo. Desde porta-chaves a chapéus que só Deus sabe quem os inventou, até relógios e discos. Discos! Eram das minhas coisas preferidas. É verdade que também havia a dança e nada se compara à minha paixão pela dança, contudo dançar ao som de um CD não tem nada a ver com dançar ao som de um vinil. Nenhum deles entende isso. Nem mesmo Ava que trabalhava numa loja de discos ou o meu irmão que se está sempre a queixar que a minha estante está atafulhada com discos. Para além do mais, havia aqui vinis de bandas de que eu gostava bastante, quem diria que ainda me iria divertir aqui?

- Vejo que está a gostar.

Virei-me para ver quem era. Um funcionário da loja.

- Sim, estou. Há aqui muita coisa que nunca encontrei em mais lado nenhum.

- E se eu lhe mostrasse o que temos guardado lá dentro, isto é apenas uma pequena amostra.

Segui-o até à porta atrás do balcão que tinha uma sala muito mal iluminada com vários artigos da loja.

- Onde é que estão os discos?

- Mais à frente.- dizia-me o empregado atrás de mim e eu continuei a seguir.

De repente senti uma picada na parte de trás do meu pescoço, as luzes começaram a piscar e tudo ficou negro.

A DemandaWhere stories live. Discover now