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No dia seguinte, perto das três da tarde...

De: lena.jun@mail.com
Para: alex.veiga@mail.com
Assunto: Não sei qual é o assunto.

Se lembra de quando eu disse que você era um terceiro desinteressado? Talvez seja o momento para explicar realmente o que isso significa.

Você é a única pessoa com quem posso falar agora, porque não está no meio desse turbilhão que é a minha vida. Você não vai dizer que me avisou que iria acontecer de novo no segundo em que nossa conversa começar.

Acho que você tem sorte, Alex. Devia considerar muita sorte não precisar conviver com a Helena fraca que eu sou a maior parte do tempo.

Em momentos como esse, eu realmente me odeio. Por que eu não consigo superar todo esse caos a minha volta? Estou sempre andando, andando e voltando para o mesmo lugar.

Talvez eu goste de sofrer.

Cheguei a essa conclusão hoje.

Não sei se vai querer ler essa história deprimente, mas vou contar mesmo assim...

Acho que era por volta das onze da manhã. Fui pegar o meu carro que estava com aquele-que-não-deve-ser-nomeado.

Meu maior erro foi ter emprestado o carro. Eu e Alexandre não estamos mais juntos, não há nenhum sentido em eu me preocupar tanto com a madrasta doente que ele nunca deu tanta atenção. Mas agora ele simplesmente a enche de cuidados.

Eu não deveria me responsabilizar por isso! Ela nem gostava de mim!

Depois, por que eu não exigi que ele trouxesse o carro de volta? Era o correto, não era? Você empresta algo e a pessoa simplesmente te devolve, não é você que precisa ir até ela pegar de volta.

Mas o pior foi não desconfiar dele.

Quase três anos de relacionamento e eu não consegui reconhecer algo tão simples. Isso acontecia o tempo todo enquanto estávamos juntos e quatro meses de separação foram suficientes para me fazer esquecer de tudo...

Só que ninguém desaprende a fazer coisas com que já são acostumados. É como se esquecer de nadar. Se esquecer de como andar de bicicleta. É impossível! Mas parece que eu estou aqui para provar justamente o contrário.

Isso me lembra de quando tinha nove anos e ficava com fome durante o recreio na escola, porque eu dava todo o meu lanche. Nenhum dos colegas roubava ou exigia. Eles pediam e eu entregava tudo, até ficar sem nada.

Simplesmente eu não sabia dizer não.

EU NÃO PODIA DIZER, ALEX!

Eu me transformaria em uma pessoa ruim se dissesse. Meus avós sempre diziam que eu era boa, então eu não podia ser ruim com ninguém.

Sofri calada durante um semestre inteiro, até minha mãe descobrir.

É tão ridículo eu me lembrar disso agora. Mas talvez tenha sido lá que tudo começou. A gente nunca vira adulto de verdade, não é? Estamos sempre acorrentados aos problemas da infância e da adolescência...

O fato é que, tantos anos depois, eu ainda me sinto do mesmo jeito: frustrada! Eu sempre estou dando tudo e ficando sem absolutamente nada.

Ficar com fome no recreio não é bom, mas estar em um relacionamento que te suga até você achar acreditar que não pode ser feliz de outro jeito é muito pior! Eu sei que era um relacionamento abusivo. Minha terapeuta me fez entender isso ainda no início do nosso namoro, mas eu insisti, porque ele me amava e ia melhorar por mim.

Só que não melhorou e eu me acostumei acreditar nas minhas mentiras. Se lembra de quando eu disse que enganar a si mesmo é muito pior?

Eu deveria ter percebido que ele estava mentindo hoje. Que toda a história da madrasta era só uma desculpa. Alexandre sabe que pode fazer o que quer com a ex-namorada idiota.

Ela tem uma empresa; ela tem um carro; ela tem um apartamento; ela tem um pouquinho de amor-próprio... Ele quer tudo, porque ela não sabe dizer de não.

Na única vez que ela disse não, ela se arrependeu!

Às vezes eu tenho a impressão de que contraí uma dívida com ele que nunca conseguirei pagar.

Me desculpe por todo esse vômito de palavras. Eu só precisava falar com alguém que não estivesse envolvido em tudo isso. Desculpa, Alex. Desculpa por acabar com o seu dia, com esse email tão deprimente. E não se sinta na obrigação de responder. Eu só precisava escrever aleatoriamente e ter a real sensação de que alguém iria ler.

Com amor,
Lena

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Doze minutos depois...

De: alex.veiga@mail.com
Para: lena.jun@mail.com
Assunto: RE: Não sei qual é o assunto.

Por que não marcamos um lugar para nos encontrarmos?

Não, eu não estou me aproveitando da situação.

Eu entendo que você precisa conversar com alguém e não contar tudo isso de uma vez por email. Eu quero ouvir você!

Onde você está? Posso ir onde estiver, Lena.

OBS: Você não acabou com o meu dia, só me deixou um pouco preocupado.

Com carinho,
Alex.

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De: lena.jun@mail.com
Para: alex.veiga@mail.com
Assunto: RE: Não sei qual é o assunto

Não. Não quero me encontrar com você agora. Não quero que me veja desse jeito.

Desculpa, Alex.

Eu só precisava desabafar sem ouvir um "eu te avisei". Exclua o email, por favor. Não me responda.

Com amor,
Lena

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De: alex.veiga@mail.com
Para: lena.jun@mail.com
Assunto: Não sei o assunto do email.

Ele te machucou? Preciso saber disso, Helena.

Pode me escrever um email com o dobro de palavras, se isso te fizer ficar melhor.

Você não quer ligar para Victoria ir te encontrar, se estiver sozinha? Eu também conheço alguns taxistas, se precisar de ajuda para voltar para casa.

Com carinho,
Alex
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De: lena.jun@mail.com
Para: alex.veiga@mail.com
Assunto: Sem assunto

Acho que não quero voltar para casa agora. Eu preciso de um tempo sozinha.

Agradeço a sua preocupação!

Com amor,
Lena

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Trinta minutos depois...

<<Vic para Lena>> Você pode pedir a conta e me encontrar aqui do lado de fora? Estou de biquíni, molhada e eles não vão me deixar entrar assim. Foi para isso que sua mãe largou tudo na fazenda e veio ficar com você? Para morrer de preocupação, porque você não atende a merda do celular? Custava mandar uma mensagem quando estivesse saindo da casa daquele-merda?

<<Lena para Vic>>Eu já liguei para casa e falei com minha mãe. Não vou demorar, não se preocupe.

<<Vic para Lena>> Chama o garçom de uma vez, Helena. Eu vou te levar para casa. Agora!

Com Amor, Lena [Concluído]Where stories live. Discover now