Capítulo 2

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No caminho que Ema levava todos os dias até à sala de refeições não havia muitos espelhos. Muitos quadros sim, muitas fotografias dos grandes feitos da família, mas apenas um espelho. Um espelho enorme que cobria quase uma parede e que Ema tinha que ver todos os dias. Normalmente ela tentava evitá-lo e nunca olhava para o seu reflexo. Mas aquele dia é diferente. Quando ela se encontrava ao lado do espelho, ela parou, respirou fundo e olhou para a direita, encarando diretamente o seu reflexo.

No espelho estava uma rapariga bonita, de estatura média, com os seus longos cabelos loiros soltos sobre os ombros. Vestia um vestido azul-turquesa que lhe acentuava a cintura e tinha calçadas umas sabrinas da mesma cor. Usava o mesmo colar de sempre sobre a pele pálida e tinha postos uns brincos a condizer. Ela tinha que estar sempre no seu melhor para ver os avós. Depois a sua atenção desviou-se para a sua cara. Era de uma forma oval e tinha algumas sardas abaixo dos olhos. O seu nariz era delicado e os seus lábios eram cheios e rosados. Era mesmo muito parecida com a sua mãe. Por fim ela observou os seus olhos. Eram grandes, tinham longas pestanas e claro, eram de um profundo e doce castanho-escuro.

Frustrada, Ema continuou a andar em direção ao seu destino. Antes do seu décimo-segundo aniversário muitos elogiavam-na dizendo que era muito parecida com a mãe, tanto na aparência como na inteligência. E isso era um grande elogio, visto que a sua mãe era a imagem de como uma representante da família Eglington devia ser: linda, mas com um olhar feroz que transmitia determinação e claro, muito inteligente. No entanto quando os olhos de Ema não mudaram de cor tudo mudou. Parecia que nada mais importava para além da cor dos seus olhos. Todos os dias ela evitava o espelho por causa disso: para evitar ver a prova de que ela era uma aberração, a prova de que não tinha o que era preciso para ser uma Eglington. Tudo por causa de uns olhos castanhos. Naquele dia ela esperará ver outra coisa. Durante uns segundos ela teve esperança que os seus olhos fossem azuis, que tivessem finalmente mudado ou que tudo fosse um sonho e os seus pais estivessem à sua espera na sala de refeições em vez dos avós. Mas não. Os olhos castanhos ainda lá estavam.

Quando ela estava apenas a uns passos da sala de refeições, o seu coração começou a bater mais depressa e ela começou a ter aquela sensação de que algo não estava bem. Todos os dias quando ela estava àquela distância da sala de refeições ela conseguia ouvir a avó a mexer o seu chá com uma colher, o seu avô a passar as folhas do jornal e as empregadas atarefadas a servi-los. Desta vez a única coisa que ela ouviu foram várias vozes a conversar educadamente na sala de refeições. E isso nunca acontecia. Ema deu uns passos em frente e entrou na sala. O jornal estava fechado a um canto e a chávena de chá fumegante de Erica ainda se encontrava em cima da mesa, intocada. O avô Eduardo olhou para ela e Ema sentiu-se a congelar. Naquele dia em especial, os avós irradiavam ódio puro. Depois, com um tom de voz duro e ríspido ele disse:

- Ema, ainda bem que te decidiste juntar a nós. Estávamos agora mesmo a perguntarmo-nos porque te atrasaste tanto.

Estranho, muito estranho. O avô nunca falava com ela daquela maneira. Especialmente para dizer que estavam contentes por ela estar ali. E além disso ele nunca se preocupava porque é que ela se atrasava quando isso acontece. Se ela estava atrasada, estava. Normalmente, quando os avós estavam de bom humor, ela levava um ralhete enorme e um castigo igualmente grande e ponto final.

- Lamento. Não volta a acontecer.

Ele virou-se para a avó que, com um ar desagradado e sem se preocupar se Ema conseguia ouvir ou não, diz:

- É sempre a mesma coisa! Como poderá ela alguma vez ser uma representante decente? Como é que podemos deixá-la ocupar o teu lugar, Eduardo?

E sim, era Eduardo Eglington que ocupava o lugar de representante até Ema fazer dezoito anos, idade em que finalmente podia ocupar o lugar a que ela tanto desejava e a que tinha direito.

- Vamos tratar disso, não te preocupes. – disse Eduardo olhando de relance para Ema.

Aquilo não soava nada bem.

De repente uma voz desconhecida fez-se ouvir no meio daquela discussão:

- Ahem!

Ema virou a cabeça na direção de onde tinha vindo o som e reparou numa mulher sentada a um canto da sala, numa poltrona que se encontrava mais ou menos escondida.

Ela tinha o cabelo de uma cor castanha muito escura preso atrás da cabeça e ornamentado com ganchos de rubis. Vestia um vestido muito justo, de um tom avermelhado, usava uns sapatos de salto-alto da mesma cor do vestido que era extremamente altos e que pareciam muito desconfortáveis. A sua maquilhagem estava perfeita e a atenção de Ema foi atraída por um pequeno sinal que ela tinha em cima do lábio superior. Por fim, Ema fixou-se nos seus olhos. Estes eram de um vermelho-escuro e onde chamas pareciam dançar, livres e selvagens.

A mulher pousou a chávena que seguirá a nas mãos e levantou-se, ajeitando o vestido. Depois aproximou-se de Ema e um sorriso arrogante surgiu-lhe no rosto enquanto dizia:

- Ema, querida! Que bom que chegaste! Há muito tempo que me queria encontrar contigo! O meu nome é Eleonora Culbert.

Aquela tinha sido a pior demonstração de doçura falsa alguma vez feita. Conseguia-se ver nos seus olhos de chamas o rancor a brilhar, selvagem. Mas enfim, como futura representante, Ema tinha que manter as aparências e, por isso, forçou um sorriso e encarou Eleonora dizendo:

- Prazer em conhecê-la! No entanto, não me parece que tenha tido o prazer de estar na sua presença antes desta maravilhosa surpresa.

Ela pareceu ficar confusa e cerrou os seus lábios perfeitamente pintados de vermelho numa expressão interrogativa.

- Surpresa? Este encontro está marcado há duas semanas!

Ema olhou com um olhar furioso para os seus avós. Afinal eles estavam a tentar fazer com que ela fizesse má figura em frente dos Culbert, os maiores rivais da sua família. Tudo o que era preciso era um mal-entendido e uma guerra começaria, e eles sabiam isso muito bem!
Ema olhou para os avós e Eduardo e Erica pareciam muito satisfeitos e talvez até orgulhosos, o que a magoou um pouco.

- Bem, então posso saber o motivo da sua visita?

- Oh, mas claro! Estamos aqui para marcar a próxima reunião de representantes e todos pensamos que seria inadequado não estares presente tendo em conta que da última vez que tentaste vir...bem, todos sabemos o que aconteceu.

Naquele momento Ema teve que usar todas as suas forças para não dar um murro na cara daquela mulher. Ninguém mais parecia ter notado, mas ela notou. Oh, se notou! Ela notou naquele sorriso sinistro de satisfação que ela tinha feito ao falar do acidente! Como é que ela se atrevia!
No entanto havia algo naquele discurso que captou a atenção de Ema e que ela tinha que esclarecer primeiro.

- Desculpe, mas disse..."estamos"?

No preciso momento em que aquelas palavras saíram da sua boca, Ema viu um rapaz que ela tão bem conhecia a entrar no seu campo de visão.
Não, aquilo não podia estar a acontecer.

O rapaz fez um sorriso maroto e os seus olhos brilhavam enquanto fazia uma pequena vénia e dizia:

- Prazer em ver-te, Ema. Há quanto tempo!

Ema congelou e nem conseguiu responder. Aquela era a pessoa que ela menos queria ver fosse naquele dia em específico, ou em qualquer outro.

A EscolhidaWhere stories live. Discover now