Capítulo 4

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"Finalmente a sós!" - pensou Ema enquanto se deixava cair em cima da cama.
Aquele dia tinha sido terrível e ela tinha passado passado o tempo todo a olhar para os ponteiros dos relógios que decoravam a casa, enquanto tentava perceber como era possível que estes se movessem tão devagar.
Ela tinha passado todo o dia acompanhada por alguém que, com uma quantidade imensa de pena nos seus olhos lhe dizia que lamentava a morte dos seus pais, que embora já tivesse acontecido há bastante tempo era difícil de ultrapassar, que, se precisasse de alguma coisa, podia ajudar, etc, etc. E quando essa pessoa finalmente se ia embora, outra vinha com o mesmo discurso e o mesmo olhar até se ir embora e outra pessoa ocupar o seu lugar.
Por fim tinha conseguido livrar-se de todos e fugir para o seu quarto, onde podia estar sozinha e deixar todas as suas preocupações do outro lado da porta. Ou assim pensava ela.
Assim que o seu corpo caiu sobre o colchão, ela sentiu algo debaixo do seu braço e ouviu o barulho de papel a amachucar-se. A Ema voltou-se a levantar e reparou numa carta pousada em cima da cama onde tinha estado deitada apenas há uns segundos. Ela pegou nela e examinou-a atentamente, reparando que o envelope era um dos que os seus avós usavam, um envelope especial de qualidade superior, muito caro e muitíssimo difícil de encontrar, sendo que o único local em Woodshack em que estes se encontravam era na sala de refeições dos Eglington, onde Eduardo e Erica Eglington escreviam as suas cartas e guardavam o seu material de escrita. Ema abriu o envelope com muito cuidado e lá dentro estava um pedaço de papel que ela conhecia perfeitamente: uma página do jornal que o seu avô tanto gostava de ler, onde algumas palavras se encontravam rodeadas a tinta preta. Depois de juntas, as palavras formavam a seguinte mensagem:

"Temos que falar. Tu sabes onde me encontrar."

Assim que percebeu o que aquela mensagem queria dizer, Ema apenas conseguiu ficar ali, quieta, a pensar como é que Calum tinha conseguido colocar ali a carta sem ninguém ver.
Como era óbvio, ela não iria àquele encontro. Claro que não. Se ela queria manter a distância de Calum e proteger o seu segredo, o mais sensato seria continuar a sua vida como se nada fosse, evitando cair em alguma armadilha criada por ele.
- Eu vou ficar aqui, quieta, sem causar problemas, como a respeitável representante que um dia vou ser. - repetia Ema enquanto arrumava a carta numa caixa fechada à chave que estava escondida dentro do seu armário.
No entanto, lá no fundo, o que Ema mais queria era ir àquele encontro. Tudo nela gritava para que fosse, tal era a curiosidade. Mas ela não podia ir.
No entanto, Ema era uma pessoa que se deixava levar mais pelas emoções e curiosidade do que por outra coisa qualquer, e mesmo repetindo para si própria vezes e vezes sem conta que não devia ir, quando deu por si, já estava fora de casa, a caminho da floresta.
Quando chegou ao local combinado, Ema notou, com surpresa, que estava sozinha. Procurou por Calum durante alguns minutos, mas rapidamente desistiu, deixada com a certeza de que tinha sido enganada. Irritada, Ema virou-se para trás bruscamente, pronta para se ir embora, deparando-se com Calum apenas a um palmo de distância de si. Afinal não estava sozinha.
- Calum! - gritou Ema, com um laivo de irritação na sua voz, após ter apanhado um grande susto com aquela súbita aparição.
Calum riu-se imenso, até quase ficar sem ar, enquanto Ema, envergonhada, cruzou os braços e olhou para baixo, enquanto murmurava:
- Não teve assim tanta piada.
Ela nunca admitiria, mas enquanto proferia aquelas palavras, um pequeno sorriso iluminava-lhe o rosto e um pequeno rubor espalhava-se pela sua cara, traindo o seu tom de voz irritado.
Finalmente, Calum parou de se rir, e, ajeitando o seu cabelo castanho-escuro, olhou para Ema demoradamente, até que percebeu o que estava a fazer e desviou o olhar, passando a observar cuidadosamente os ténis que tinha calçados enquanto dizia:
- Então...vieste...Não tinha a certeza que viesses...
Ema olhou para ele com um ar surpreendido. Ele não sabia se ela viria? Essa era nova. Sendo ele tão popular entre as raparigas de Woodshack, nenhuma se recusava a encontrar-se com ele. A ideia da possibilidade de Calum a achar diferente das outras instalou-se na mente de Ema, provocando um tímido sorriso, que ela tentou repelir, tentando manter a compostura.
- Sim, vim. Disseste que precisávamos de falar.
- Sim, pois...
Calum manteve-se em silêncio e Ema, como que a incitar para que ele falasse, inclinou ligeiramente a cabeça como quando fazia quando estava curiosa. Ele percebeu, e abriu a boca, pronto a dizer alguma coisa, mas de repente, ele fixou o seu olhar em algo atrás de Ema e enquanto uma dúvida se instalava na sua mente, ele franziu o sobrolho, pôs uma expressão interrogativa e perguntou:
- Vieste sozinha?
Ema pestanejou em surpresa. Realmente, no bilhete não estava escrito para ela vir sozinha, mas ela assumiu que assim fosse.
- Sim, claro que sim.
Calum mostrou-se surpreendido, mas rapidamente a sua expressão de surpresa mudou para uma de aborrecimento assim que percebeu o que se estava a passar.
- Eu sei que estás aí.
O som de folhas a abanarem e a serem esmagadas fez-se ouvir do sítio para onde Calum estava a olhar.
- Elisa? Vá, podes sair daí.
Nada.
Calum soltou um barulho aborrecido e revirou os olhos, antes de se dirigir a passos largos para um arbusto um ou dois metros atrás de Ema. Irritado, afastou os ramos do arbusto, sem encontrar nada. Surpreendido, ele continuou à procura, mas continuou sem encontrar ninguém. Derrotado e confuso, ele voltou para onde estava, junto a Ema e, ao reparar no ar confuso dela, explicou-lhe a situação, envergonhado.
- Ahm, desculpa...eu pensava mesmo que estava ali alguém...Mas deve ter sido apenas um animal.
Mal ele acabou de proferir estas palavras, uma rapariga saltou de uma árvore ao lado de Ema, assustando-a pela segunda vez naquele dia.
- Estão à minha procura? - perguntou ela com um sorriso aberto.
Calum cruzou os braços e, com um tom de voz irritado perguntou:
- O que estás aqui a fazer?
A rapariga cruzou também os braços, lançando-lhe um olhar desafiador.
- Podia perguntar-te a mesma coisa.
Todo o corpo de Calum irradiava irritação, mas ele ficou quieto e em silêncio enquanto a jovem se aproximava de Ema e lhe estendia a mão.
- Olá! Eu sou a...
- Elisa. - interrompeu a Ema enquanto lhe apertava a mão estendida . - Certo?
- Certo. - respondeu a Elisa com um pequeno sorriso de admiração.
- Eu sou a Ema. Ema Eglington.
- Eglington? - perguntou Elisa com o sobrolho franzido enquanto lhe examinava os olhos.
- Sim, é...uma longa história.
Elisa olhou para Calum, desconfiada, como que a procurar uma confirmação. Ele apenas se limitou a acenar afirmativamente com a cabeça.
-  Bem, eu sou a Elisa. Elisa Reynard.
- Oh.
Ema observou atentamente os olhos de Elisa, olhos estes que eram de um verde profundo e com uns laivos de castanho que lembravam uma floresta interminável. Claro que ela era uma Reynard.
- Mas não te deixes enganar pelo nome, ela não é uma representante. - lembrou Calum, com um sorriso trocista.
Ema olhou com um ar confuso para Elisa mas esta não reparou, pois já estava a olhar para Calum com um sorriso semelhante ao dele.
- Posso não ser, mas sei que a minha família está em muito boas mãos. - disse Elisa, com convicção.
- Isso é o que todos os "representantes em segundo lugar" dizem. Diz lá, não gostavas mesmo que a futura representante da tua família fosses tu? - provocou Calum.
- Bem, o mais provável é que acabe por ser representante sim, mas da família Culbert. Assim que a tua família perceber o rapazinho irritante e imaturo que tu és, vêm a correr para mim a pedir para te substituir. - replicou Elisa com uma piscadela de olho.
Ficando sem argumentos, Calum levantou os braços em sinal de derrota, ainda com aquele sorriso divertido nos lábios.
- Então...e agora?
Elisa e Calum viraram-se bruscamente para Ema, como se se tivessem esquecido que ela estava ali. Elisa ficou com um ar confuso e olhou para Calum com um ar interrogativo enquanto perguntava:
- Sim, Calum. E agora? Ela já sabe?
Calum soltou um suspiro enquanto pegava na mão de Ema e começava a andar, encaminhando-a para um destino misterioso, enquanto Elisa os seguia.
- Não. Mas parece que está prestes a descobrir.

A EscolhidaWhere stories live. Discover now