Capítulo 8

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Ema ficou ali, a olhar para os olhos confusos de Calum, sem dizer uma única palavra. De repente aquela energia que se tinha apoderado dela apenas a uns minutos atrás desvaneceu-se e ela sentiu-se a desfalecer. Ema caiu por terra, desmaiada, e todos se apressaram a ir ajudá-la. Todos menos Calum que tinha sido o único a conseguir olhar com atenção para os olhos dela e que permanecia quieto no seu lugar, em choque.
- Calum, não queres ajudar? - perguntou Sofia, irritada.
No entanto, Calum continuou no mesmo lugar, mergulhado nos seus pensamentos, enquanto uma teoria se formava na sua cabeça.
- Calum? - inquiriu Sofia, mais uma vez, ainda mais irritada.
Desta vez foi Elisa que reagiu. Levantou-se, e dirigiu-se a Calum, calmamente. Ela pegou na mão dele, olhou-o nos olhos, e com o seu tom de voz sincero e gentil, perguntou:
- Calum, está tudo bem?
Com isto, ele limitou-se a levantar a cabeça e a abandonar a mansão dos Bryer em passo rápido, deixando uma Sofia perplexa e uma Elisa também surpreendida e magoada para trás.
À medida que andava, a raiva dentro de si aumentava cada vez mais, o que se traduzia na velocidade dos seus passos enquanto se encaminhava para a sua própria casa, a mansão Culbert.
Ao ver que os olhos de Ema tinham finalmente mudado de cor, a sua primeira reação foi de euforia, afinal ela já merecia os seus poderes havia muito tempo. No entanto, ele rapidamente percebeu que a cor dos olhos dela não era azul, como era suposto, mas sim violeta, uma cor que nem deveria ser uma hipótese. Mas não demorou muito a que ele juntasse dois mais dois e percebesse qual seria a causa mais óbvia (embora tecnicamente impossível) daquela mudança.
Ao chegar a casa,  Calum dirigiu-se prontamente à sala mais usada de toda a mansão: à sala de reuniões. A família do fogo era, sem sombra de dúvida, a que trabalhava mais, tentando compensar a ausência da colaboração da família da água, após a morte dos pais de Ema. Enquanto o pai de Calum estava várias vezes fora, a fazer visitas a escolas e hospitais, por exemplo, ou a resolver problemas práticos da cidade, Eleanora Culbert passava dias e dias encerrada na sala de reuniões da mansão (que era a única que tinha sala de reuniões) a discutir ideias e projetos com alguns representantes dos cidadãos da cidade. Calum empurrou com determinação as portas da sala, fazendo com que estas abrissem imediatamente. Como era de esperar, estava a decorrer uma reunião lá dentro, pelo que Eleanora se levantou e lançou um olhar acusador ao seu filho, ao qual este respondeu com um olhar furioso e teimoso, enquanto se encostava a uma parede, indicando que não tinha intenção de sair ali. Conhecendo bem o seu filho, Eleanora soltou um suspiro cansado e depois dirigiu um sorriso forçado aos presentes naquela sala, dispensando-os e remarcando aquela reunião para a semana seguinte. Todos saíram prontamente, visivelmente perturbados e sentido-se ameaçados pelo facto de Calum estar, ainda encostado à parede, a brincar com uma pequena chama que tinha conjurado enquanto lhes dirigia um sorriso ameaçador. Assim que a sala ficou vazia, Eleanora voltou a fechar a porta, e, com um ar chateado, disse:
- O que é que lhe passou pela cabeça? Você sabe muito bem que cada uma das reuniões que eu tenho são extremamente importantes e não podem ser simplesmente interrompidas assim, sem mais nem menos! Ainda por cima, se o menino se recusa a sair, o que acaba por causar sempre o fim da reunião. E o que foi isso de estar a ameaçar assim os nossos convidados, você sabes perfeitamente que não nos podemos dar ao luxo de voltar a cair na nossa antiga reputação de violência e frieza! Imagine a vantagem que isso daria aos Eglington!
Calum permanecia encostado à parede, enquanto ouvia a mãe aparentemente calmo, mas com os olhos a brilhar de fúria.
- Sabe, é precisamente por causa deles que venho falar consigo.
Eleanora mostrou-se surpresa por uns segundos, mas depois a sua expressão mudou para um esgar de nojo e um rolar de olhos.
- Por causa de quem, dos Eglington? Não acredito que ainda convive com pessoas daquela família reles, agora só precisa de me dizer que também confraterniza com os Bryer, ou com os Reynard, que ainda seria pior.
Eleanora começou-se a rir à gargalhada, enquanto Calum a olhava com um ar nada divertido. No entanto, o riso parou abruptamente e ela prosseguiu:
- Agora falando seriamente, não se misture com aquela gente reles. É o seu dever ser um exemplo a seguir. É favor de deixar essas pessoas para trás.
Calum limitou-se a olhar para ela com um olhar ainda furioso e dizer:
- Mas, na verdade, no passado, a nossa família era muito ligada à família Eglington, não era? Digamos talvez até demais?
A mãe de Calum fez um sorriso nervoso e respondeu, com voz trémula, enquanto se sentava:
- O que quer dizer com isso?
Calum também se sentou e prosseguiu na sua acusação enquanto brincava com a sua pulseira de cabedal:
- Acontece que eu sei do grande segredo da família Eglington, sabe? Ouvi o avô da Ema e falar com a sua mulher sobre isso, no final de uma reunião de representantes, quando voltei para trás para ir buscar alguma coisa da qual me tinha esquecido. A partir daí, jurei guardar segredo, de toda a gente, especialmente de você e do pai, visto que podiam usar essa informação para prejudicar os Eglington, o que, apesar do distanciamento entre as famílias, do ódio que é suposto sentirmos uns pelos outros e tudo mais, não me pareceu correto. Mas afinal, parece que todo o esforço que tive para esconder esse segredo de vocês foi em vão, não foi? Porque vocês já sabiam. Sempre souberam.
Eleanora engoliu em seco, porém, não acrescentou mais nada ao que Calum disse, pelo que ele continuou.
- Além disso vocês nunca usariam esse segredo como arma contra os Eglington porque a nossa família também estava incluída nele, e foi por isso que nunca disseram nada a ninguém.
Calum olhou de relance para a sua mãe, analisando a sua expressão. Ela já se tinha recomposto e dava o seu melhor para manter uma postura forte e neutra, como sempre tinha.
- Não faço ideia do que está para aí a falar. - disse Eleanora com um ar decidido e queixo levantado, preparando-se para se levantar e sair dali. - Agora, é melhor acabar com este disparate, tenho mais que fazer.
Calum levantou-se de um salto e, libertando toda a sua frustração e raiva, gritou:
- Para!
Eleanora, que já se tinha levantado e estava apenas a uns passos da porta, congelou no lugar e virou-se lentamente, para encarar o filho que a olhava com uma raiva jamais vista.
- Já chega de todos estes disparates, eu preciso de respostas! Todos pensam que eu não oiço ou penso em nada, que não me preocupo com nada, que sou fútil, arrogante e inútil, mas não é bem assim. Eu oiço tudo, eu penso sobre todas essas coisas e preocupo-me com esta cidade, com a minha família, com o meu dever e com o meu legado! Eu preocupo-me com tudo isto, e posso não ser um génio, mas também não sou parvo e por isso, para de me tratar como um! Ainda melhor, para de me tratar como um estranho e fala comigo, mãe!
Eleanora ficou a olhar, surpresa, para o seu filho, até que um sorriso meigo e genuíno apareceu no seu rosto.
- E então o que é que gostavas de saber, filho?
Calum estava surpreendido, mas ainda assim, não deixou escapar a oportunidade.
- Tenho razão? É tudo isto verdade?
A mãe de Calum inspirou profundamente e, a custo respondeu-lhe:
- Sim, é verdade. Nós estamos relacionados com os segredos dos Eglington. Mas acredita que estamos envolvidos de uma forma que jamais alguma vez tu poderias imaginar.
- Como assim?
- Isso já é algo que nem o mais inteligente dos génios ou o mais atento dos atentos conseguiria ou deveria saber. Há segredos que devem permanecer secretos e estes são definitivamente alguns deles.
E com isto, Eleanora retirou-se da sala. No entanto, mesmo no momento em que estava quase a abrir a porta, Calum soltou uma última pergunta:
- E a Ema? Ela é da nossa família?
Eleanora voltou-se e respondeu:
- Não.
- Mas...
- Já chega. Tudo isso é muito mais complicado do que pensas. Apenas...mantém-te fora disso e longe dela, pode ser? Ela é mais perigosa do que imaginas.
- Mas ela é uma figura pública, como é que ela é assim tão perigosa e ninguém se apercebeu? Até porque ela não me parece nada perigosa.
- Calum...
- Além disso, ela não pode ser assim tão má, afinal ela é a futura representante dos Eglington.
Quanto a esta última afirmação, Eleanora simplesmente limitou-se a sorrir e a caminhar para longe daquela sala enquanto murmurava:
- Vamos ver quanto a isso.

A EscolhidaWhere stories live. Discover now