Capítulo 9

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Calum saiu então de casa, confuso e sem saber o que pensar. Aquela conversa com a sua mãe não o tinha convencido e ele não tinha obtido todas as respostas que pretendia. Por outro lado, tinha sabido bem falar honestamente com a sua mãe e desabafar sobre o que o incomodava sem formalidades, ainda que tenha sido apenas por uns segundos. No entanto, aquele mistério continuava a adensar-se na sua mente e ele estava cada vez mais longe de encontrar uma resposta.
O segredo da família da água girava-lhe na cabeça e ele tentava desesperadamente encontrar uma relação entre este, a cor dos olhos de Ema e a sua família, mas em vão. A única opção que lhe parecia vir à cabeça tinha sido rejeitada pela sua mãe ainda a uns minutos atrás, pelo que não podia ser essa...isto se Eleanora Culbert não estivesse a mentir. Calum gostaria muito de poder afastar logo essa ideia da cabeça, mas quanto à sua mãe ele nunca tinha a certeza.
O segredo da família Eglington consistia em algo que quebrava uma das regras básicas de Woodshack: a regra que dizia que os membros das famílias representantes não podiam ter relações amorosas entre si. Ainda antes de Ema ser nascida, o pai dela, Michael Eglington, teve que se retirar durante bastante tempo para tratar de um assunto de alta importância: a invisibilidade de Woodshack aos olhos do resto do mundo. Era crucial que a cidade se mantivesse escondida, principalmente por causa da magia que era comum existir ali. De tempos a tempos esta invisibilidade tinha que ser confirmada por todos os representantes das famílias fundadoras, que foi o que aconteceu. Aquela visita ao mundo exterior foi anormalmente longa, o que resultou no surgimento de uma grande tristeza permanente em ambos os pais de Ema. No entanto, enquanto a vida de Michael continuava regida pelo trabalho, algo de novo surgiu na vida da mãe de Ema, Evangeline Eglington. Um dia, ela voltou a encontrar-se com alguém. Calum não tinha conseguido descobrir quem era, apenas tinha conseguido perceber que era alguém com poderes, ou seja, de uma família fundadora. Se isto ficasse por aqui, tudo bem, mas, infelizmente, Evangeline acabou por se apaixonar por essa pessoa, chegando mesmo a considerar a hipótese de se divorciar de Michael para casar com aquele homem. Eventualmente, o pai de Ema acabou por regressar e ele foi o primeiro a saber disto. Ironicamente, este foi o único que não disse à mãe de Ema para desistir da ideia, mas para pensar bem no que queria, pois depois de a decisão estar tomada, não havia forma de voltar atrás, e que ele a apoiaria fosse qual fosse essa decisão. Todos os outros estavam repugnados com a ideia de duas pessoas de famílias fundadoras terem uma relação, pondo em perigo a legitimidade das regras que regiam Woodshack desde sempre e tudo o isso acarretava. Tendo em conta que Ema nasceu uns meses depois e que os seus pais continuaram casados até à sua morte, era de esperar que Evangeline tivesse repensado e que que aquilo não tivesse passado de uma paixão passageira. No entanto, ao ver a cor dos olhos de Ema, Calum começou a perguntar-se se não seria possível que Ema afinal fosse filha desse homem misterioso e não de Michael Eglington. Até faria ainda mais sentido se este fosse da sua família, da família Culbert, o que faria com que os seus olhos fossem vermelhos. Assim, como a mãe de Ema tinha os olhos azuis, por ser uma Eglington, faria sentido que os de Ema fossem violeta. No entanto, a sua mãe tinha-lhe dito que ela não era da família Culbert, pelo que essa hipótese já estava excluída. Mas se assim era, como é que era possível que Ema tivesse os olhos daquela cor?
Mergulhado nestes pensamentos, Calum continuou a andar até à mansão dos Bryer, onde pensava que os seus amigos continuavam, apenas para a encontrar vazia.
"Boa, e agora como é que os vou encontrar?"
Mal este pensamento lhe passou pela cabeça, algo no seu instinto lhe disse o que fazer. Aquilo nunca lhe tinha acontecido, mas ele acabou por decidir obedecer-lhe. Assim, ele começou a concentra-se com os olhos fechados, até que os abriu e uma luz vermelha e super intensa iluminou os seus olhos, como uma explosão de fogo. Ao usar os seus poderes, de algum modo, ele soube logo onde Ema estava. Não tinha a certeza aonde nenhum dos outros estava, mas não podia ter mais certeza sobre o paradeiro de Ema.
Assim, considerando que onde Ema estivesse os outros deviam estar, ele encaminhou-se para a cabana dos representantes, na floresta.
Ao chegar lá, tudo parecia normal, isto até ele decidir abrir a porta. Lá dentro, estava tudo virado do avesso, como se alguém tivesse tido um combate lá dentro e uma das portas para as alas privadas das famílias estava aberta: a porta da sua família.
Calum dirigiu-se rapidamente para a porta aberta e passou os dedos pela marca de uma mão que estava gravada na porta, como se tivesse sido feita com fogo.
- Como é que esta porta está aberta? Eu não a abri, e só alguém da minha família a pode abrir. Como é que... - perguntou ele, confuso, enquanto tentava desesperadamente encontrar uma resposta.
- Fui eu... - ouviu-se uma voz soluçante do fundo da sala.
Calum virou-se bruscamente para a origem do som. Depois, à medida que deixava de estar tão focado no facto de a porta estar aberta, ele começou a conseguir distinguir o som de alguém a chorar uns metros atrás de si. Era Ema, que estava sentada sentada no chão, a chorar descontroladamente, enquanto Emric, Sofia e Elisa se mantinham a uma subtil distância dela e a olhavam com espanto e terror. Eles já tinham percebido que algo não estava bem.
Uma onda de raiva apoderou-se de Calum. Afinal, a sua mãe tinha-lhe mentido! Ele nunca deveria ter confiado nela. O seu primeiro impulso foi sair quase a correr para casa, pronto a confrontar a sua mãe, uma vez mais. No entanto, quando estava prestes a dar o primeiro passo nessa sua corrida de raiva e frustração, não conseguiu evitar olhar para Ema uma última vez, e toda aquela raiva como que derreteu, dando lugar a uma tristeza que lhe apertava o coração.
Calum ficou então a olhar para aquela figura desesperada e percebeu que não ia conseguir ficar ali sem fazer nada, sem a tentar consolar. Ele sempre sentira algo por ela, desde o seu primeiro encontro, naquela mesma floresta, mas nunca tivera coragem de explorar os seus sentimentos, perceber o que é que era aquilo que ele sentia. E foi ali, ao olhar para Ema tão triste e desamparada, que percebeu o que sentia e que aquele carinho inexplicável que tinha por ela era muito diferente do que o amor que sentia quando começava a gostar de alguém, ou mesmo a apaixonar-se por alguém. Era um amor e carinho reservado a pessoas muito mais chegadas do que isso, a família até, e isso era algo que ele não conseguia perceber. No entanto, uma coisa era certa: ele ia ajudá-la, independentemente do que isso lhe custasse.
Assim, com um suspiro, Calum tentou acalmar-se e sentou-se ao pé dela. Ema eventualmente parou de chorar e ficou a fitar Calum com um ar cansado e confuso, como se não percebesse o que estava a acontecer, porque é que ele se estaria a arriscar a estar tão perto dela. A isto, ele respondeu com um sorriso sincero e abraçou-a. Por uns momentos, Ema ficou confusa e chocada, mas isso rapidamente lhe passou e ela retribuiu o abraço, com vontade, e um sorriso de alívio e felicidade genuína surgiu-lhe no rosto, enquanto umas últimas lágrimas caíam dos seus olhos violeta. Ali ficaram durante um bocado e foi assim que Ema percebeu que iria ter sempre alguém que a iria ajudar e consolar, alguém que lhe dava valor. Assim, foi ali, no chão de uma cabana antiga, no meio da floresta, que Ema também percebeu que o que sentia por Calum era diferente de tudo o que tinha considerado. Ela não o amava como alguém que ama o companheiro, ou como uma pessoa que gosta de alguém pela primeira vez. O que ela sentia era um carinho muito mais genuíno e forte do que tudo isso. Assim, agradecida por tudo, Ema prometeu a si própria que faria de tudo para proteger Calum, pois, mesmo que não fosse do seu sangue,  ele era a única  família que lhe restava. Acontecesse o que acontece, eles iam ultrapassá-lós, juntos.

A EscolhidaWhere stories live. Discover now