Capítulo II

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O ACORDO

O necromante2 caminhava rapidamente, tentando não ouvir o primo que resmungava logo atrás. Estava sufocando dentro da roupa escura e espessa que costumava usar, mas queria chegar logo a seu destino e encontrar o usurpador de sua herança. Passara os últimos dois anos planejando isso e, apesar de alguns percalços, a jornada seguia sem maiores contratempos.

Uma pequena vila de agricultores rodeada por grandes propriedades rurais surgiu no horizonte e Thomas decidiu acelerar o passo. Ao sul do vilarejo, adornando o alto da colina, ficava uma velha igreja de pedras brancas e, atrás dela, podia se ver silhuetas de lápides e cruzes, indicando um cemitério onde certo número de fiéis transitava por entre os túmulos. Alguns carregavam flores e velas, enquanto outros limpavam as lápides e faziam orações, acompanhados por um pároco.

Thomas os ignorou. O vilarejo não aparentava hospitalidade ou meios de conseguir um transporte decente e o calor e o abafamento eram quase insuportáveis. Assim, quando o último resquício de civilização, na figura de um boteco de beira de estrada, ficou para trás, o pouco do ânimo que o primo ainda mantinha desapareceu junto com o estabelecimento.

– Não aguento mais andar – insistiu Wesley, um rapaz louro e de roupa verde extravagante – Vamos parar naquele boteco e refrescar a garganta.

– Ah claro! Vamos parar em um bar e encher a cara. – respondeu Thomas, sarcasticamente – Mas como você pretende pagar a conta depois? Esqueceu que gastou todo nosso dinheiro no bordel? – e completou entre dentes – Maldita hora que confie meu dinheiro a um bardo3.

– Eu não sou um bardo. – disse o Wesley, constrangido – Sou um protetor4, um mago da natureza, apenas gosto de cantar oras. E eu não gastei todo o dinheiro no bordel. As mulheres aproveitaram que eu estava bêbado e me roubaram. – justificou-se.

– Grande diferença. – cuspiu o Thomas, irritado – Sua falta de responsabilidade sempre põe tudo a perder. Por sua causa estamos caminhando sob esse sol escaldante quando poderíamos alugar um carro, se tivéssemos dinheiro.

Wesley ainda resmungou alguma coisa, mas Thomas fez que não ouviu e voltou sua atenção para a estrada. Uns poucos transeuntes passavam pelo lugar e olhavam com curiosidade para os dois, que formavam uma dupla incompatível. Thomas era alto e magro, apesar de ter os músculos definidos. Seus cabelos eram negros e brilhantes e estavam sempre bem penteados, enquanto sua pele, branca e lívida, se destacava sob a roupa preta. Abaixo das pálpebras, grandes olheiras combinavam com os olhos sombrios e sua expressão carregada era um reflexo do seu constante mau humor. Ainda assim era um belo rapaz, apesar da aparência tétrica, e sempre chamava a atenção das garotas por onde passava. Por outro lado, seu primo Wesley era loiro e rechonchudo. Tinha grandes olhos verdes e as bochechas rosadas e proeminentes. Sempre deixava crescer uma barbicha no queixo e seu cabelo desalinhado vivia a cair sobre a vista.

Apesar da estranheza da situação Wesley estava bem à vontade. Sentou-se na relva que cobria a margem da estrada e retirou um bandolim da mochila que trazia nas costas. Afinou cerimonialmente as cordas do instrumento e ajeitou-se no assento improvisado para iniciar uma cantiga.


De encontro ao destino, na viela da morte;
Buscando um caminho e apostando na sorte.
Perdidos no campo, cheirando à capim;
Somos dois caminhantes, na estrada sem fim.

Dois caminhantes, na estrada sem fim.

Opróbrio injusto, ruína do forte;
O imã da vida, não aponta pro norte.
Laços de sangue, sociedade ruim;
Somos dois caminhantes na estrada sem fim.

A Busca pela Árvore da Vida (em revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora