Capítulo III

187 10 4
                                    

A SURPRESA

magia esta em mim, como também esta em você – explicava a avó ao lhe mostrar um pequeno ritual de transmutação, em que um pequeno botão de cobre se convertia em bronze por meio do círculo vermelho – "Todo alquimista é capaz de executar as canções do Livro Vermelho se tiver a oferenda correta. Nesse caso, como é um ritual insignificante, uma simples moeda foi perdida, mas quanto maior o rito, maior deve ser a oferenda. Lembre-se disso ao executar rituais complexos." – e abria uma nova página no velho livro de capa vermelha e lhe mandava tentar o próximo – "O vidro é mais exigente que o metal, então use algo apropriado." – e assim foi durante toda sua infância. Sempre que ia visitar a avó, ela arrumava um jeito de despistar seu pai para lhe ensinar a magia: uma vez o enviou para recolher ervas, alegando que não estava bem e não gostava de remédios farmacológicos, em outra, alegou que os vizinhos estavam mexendo em sua cerca, nos fundos do sítio, e pediu que ele verificasse, e assim tinham muito tempo a sós para praticar.

Além do Livro Vermelho, a avó lhe orientava a ler outros livros que possuía em sua estante: A história da alquimia, Alquimistas famosos, A revolta dos privilegiados, Alquimia: transmutação e espiritualidade e o Dom dos primordiais, que tratava da capacidade dos primeiros homens em entender a linguagem animal.

Adam, aos poucos, foi se tornando capaz de manipular as canções conforme sua necessidade e, quando o pai faleceu e a mãe começou a exigir mais sua presença, o afastando da avó, já tinha conhecimento suficiente para prosseguir sozinho.

Agora já sou um homem e um mago, pensou enquanto tomava banho e se livrava do mau cheiro que trouxera do sótão. Muita coisa havia acontecido em pouco tempo: o reencontro com a avó, a herança mágica de seu avô, o encontro inesperado com a moça do Corolla e o convite para o almoço. Pensava em cada detalhe, em cada palavra que diria e a resposta que ela daria em seguida, para então, dar outra resposta e manter uma conversa interessante. Se conseguisse impressionar a moça seu sucesso estaria garantido. Apesar de seu porte físico privilegiado e sua bela aparência, não fazia muito sucesso com as garotas que o achavam esquisito e, talvez, perfeitinho demais; e depois que boatos sobre sua sexualidade começavam a circular na faculdade, se sentia na obrigação de arrumar uma namorada. Se for uma "deusa" como a moça que me aguarda na sala, tanto melhor, pensou. Já imaginava a cara dos colegas quando o vissem com ela.

Fechou o chuveiro e enxugou o banheiro. Sua mãe não gostava de encontrar o piso molhado e sempre o repreendia quando cometia tal pecado, mas hoje nada poderia dar errado.

Subiu ao seu quarto e vestiu sua melhor roupa, sempre combinando o preto com o vermelho, e desceu. As duas mulheres conversavam na sala e pelo tom das vozes o assunto parecia girar em torno de religião. Sua mãe era católica praticante e apesar de não exigir do filho que seguisse a mesma convicção, sempre procurou lhe incutir os ideais cristãos.

Aproximou-se devagar para escutar a conversa e avistou Rebecca sentada de frente para a mãe na poltrona menor, agitando levemente os braços. Vestia uma roupa leve: uma camisete azul de seda, bem comportada, por cima do top decotado e os cabelos, antes soltos, agora estavam presos num belo coque a moda oriental.

A jovem parecia discordar veementemente de sua anfitriã e tentava explicar alguma coisa que sua mãe se negava a aceitar.

– Não creio que Deus seja bom – disse Rebecca com seriedade – acredito que ele só haja movido por interesses próprios e ajude somente quando lhe convém, com raras exceções. E o conceito de bondade é muito vago; ser bom para sua família ou pessoas próximas não faz de você uma pessoa boa. Deus ajudou muitas vezes o povo de Israel, mas duvido que seus vizinhos o consideravam um símbolo de bondade. Inúmeras vezes Ele ordenou massacres, compactou com escravidão, estupros, infanticídio e toda sorte de malevolência. Um ser que ordena o assassinato de crianças inocentes para cumprir seus propósitos não pode ser considerado bom, e eu conheço bem a história do meu povo já que sou judia.

A Busca pela Árvore da Vida (em revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora