Rua Rui Barbosa, 339 - Matadouro

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"— As ovelhas. Elas te olham, se ajoelham e choram antes de morrer."

De Gado e Homens - Ana Paula Maia



Um corredor estreito à frente. Cimento frio, sujo.  Continue andando. Há um cheiro estranho no ar. A pele se arrepia. Há outros aqui no corredor. Em fila. Sempre em frente. Gritos distantes vão se aproximando a cada passo. A parede é áspera. Um porta sobe e desce para entrar apenas um de cada vez. Um grito de terror. Lágrimas escorrem. Vire-se e corra! Não há  como? As paredes não permitem, não há como se virar. Sempre em frente. Tente parar. Os outros logo atrás empurram. Será que eles não percebem para onde estão indo? A porta sobe e desce mais uma vez. O cheiro de sangue e grito é palpável nas paredes. Tão cruas. Parem! Parem! Mais alguns passos são dados. Se levantar o rosto verá pessoas lá em cima... vigiando... com bastões de choque para forçar que a fila ande. Então, caminhe!  A porta sobe.  Chegou a vez. Vá! Como um boi...


***


Recém despertos, os olhos em desespero procuram por algo. 


Lucas: Eeeeei!


Apenas uma luz o ilumina de cima.


Lucas: Eeeeeeei!


Apenas a penumbra o rodeia.


Lucas: TEM ALGUÉM AÍ?


Passos... Mais de uma pessoa.


Um som de corte. De novo... E de novo... A fricção de metal contra metal, e o estalo do fechar das duas lâminas cada vez mais e mais altos, cada vez mais perto. Um tesoura? Ele tenta forçar as amarras que o prendem a uma cadeira. Inútil.


Uma mulher entra debaixo do olho graúdo da luz acariciando a barriga já nos meses finais de gravidez, seguida por um homem com uma tesoura na mão.


Catarina: Ande home', tire logo. Tô me vendo de fome. (Esbaforida)


Francisco: Tem certeza que quer isso mesmo?


Sentado, o rapaz olha de um para outro.


Lucas: Que lugar é esse? Que-é-que tá acontecendo?


Catarina: Humm... Meu desejo.


Francisco: Mas...


Catarina: É! ...É que deu vontade! Não sabe como é? E ninguém vai dá pela falta de um alguém como ele... 


Com o filho pesando sob o largo vestido amarelo, ela solta um sorriso distante enquanto passeia a mão sobre a barriga. Quer comer o quanto antes.


Catarina anda até Lucas, agarra o cabelo do rapaz, e o faz olhar para os olhos dela. Contempla... por alguns segundos o rosto suplicante e jovem diante de si, como quem quer memorá-lo. E ele, por sua vez, vê apenas um rosto quase todo encoberto pela penumbra e pela indiferença.


O rangido do brincar da tesoura.


Cataria: Vamos logo. Hoje, eu tô com uma fome - fome de língua...



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