Entre a Canoa e o Osso (parte 1 de 2)

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"Eis o rio de minha angústia. Parece que fala, dentro dos remansos:

'Sê bem-vinda. É doce a morte.'"

Rio Subterrâneo - O. G. Rego de Carvalho



Capítulo 1 - O futuro pescador


À beira do Poti havia um menino. Tinha os pés no chão alagadiço, os olhos num mirrado de casas, as mãos seguras às pernas da mãe. Era magro, mal engolira os seus apenas cinco ou quatro anos de vida.

A passar por ali: comerciantes, religiosos, fazendeiros. A caminho de Caxias ou Oeiras ou outra Província ou fazenda. As possibilidades para fora eram grandes aos olhos do pequeno, que corria para ajudar a mãe a pegar água no rio.

Era uma idade boa de passar a manhã inteira brincando na terra, sujando-se sem se preocupar com o tempo. Corria. E já era tarde. Hora de comer. A mulher prendia o filho entre as pernas e amassava a comida na mão. Abre a boca, lá vai o capitão.

E lá ia o barco... quebrando a rotina da primeira infância para instalar a de todo o resto de uma vida. Se o pai pescava o filho também. Quando volta? Quando volta? O menino não parava de perguntar. Ele era filho único e tinha dessas coisas... coisas de criança; como querer a mãe apenas para si, empurrando o pai quando este chegava perto. Quando volto?

Para a casa era um pulo, a distância de um suspiro do rio, que alcançava a casinha de pau a pique e de chão batido varias vezes num ano. O menino mal começava a correr e já estava entre as galinhas.

Mas o filho crescia rápido e certos hábitos tiveram de ser deixados. "Engole o choro". Não ficava tanto tempo em casa, não acompanhava a mãe até o rio quando ela ia lavar as roupas, momento em que aproveitava para nadar.

O pai começou a levá-lo todos os dias à beira do rio para aprender o ofício. Dependiam disso, pois faziam o de comer com o que o rio permitia ou com pequenas trocas. Assim sobreviveram, assim sobreviveriam. Esta era a herança que o pai lhe deixava ainda vivo. 

 

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Capítulo 2 - Um'amanhã... por onde escorre a chuva


O pai escorava-se na porta enquanto o filho terminava de se despedir da mãe. O olhar perdia-se na madrugada além que esperava pelos pescadores.

As primeiras idas ao rio haviam sido um martírio, o menino esperneava, o menino fugia, mas agora como homem o silêncio e os braços fortes puxavam mais e mais peixes. No entanto, não foi a insistência do pai em ver o filho feito que acalmou o menino, e, sim, Carmen.

Ela era a companheira de muitas brincadeiras e conversas. Sempre por perto quando mais precisava. Sempre...

— Jura?

Carne Morta e Outros Contos Folklóricos de Dark FantasyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora