Ninar

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Meu doce anjo, durma tranquilo e tenha bons sonhos também, porque a noite não tarda a passar e a mamãe já vem.


Não, não precisa chorar: esse barulho é apenas um gato no telhado. A luz do abajur está acessa, não está vendo? Não precisa se preocupar. Pode dormir sossegado. 


Nana... meu bem. O bicho papão não vai descer para te pegar. Aqui dentro você está protegido, e papai logo vem.


Deixa eu te embalar nos meus braços então... para o sono voltar. Não há do que ter medo.  Juro que não tem nada debaixo da cama. Eu olhei, mas posso de novo olhar. 


O vô está longe, eu sei, mas ele pensa em você, meu bem. A tia? A tia estava ocupada, não pôde vir esta noite, mas na próxima ela disse que vem. 


A porta do quarto está trancada. As sombras na sala não vão entrar, eu prometo,  vão ficar entre as pernas das cadeiras ou descansando encima do sofá.  


Nana, neném, porque em casa há mais ninguém, e os vizinhos não te ouviram chorar. A babá eletrônica está ligada, mas do outro lado não há alguém para te escutar.  


Deixa-me lembrar de uma velha cantiga... para o sono logo chegar... para o meu doce poder dormir e em bons sonhos descansar...


***


A velha bruxa cantarolou para acalmar o menino, que talvez não tivesse completado um ano ainda de vida e cuja cabeça repousava no couro áspero da manga a revestir todo o braço dela. Com a outra mão a mulher segurava um cajado de madeira retorcida um pouco maior do que sua própria altura. Suas pupilas eram duas fendas no azul escondidas sob um capuz, que deixava escapar apenas alguns fios prateados de seu cabelo: um contraste ao tecido escuro de suas vestes a descer e se esparramar pelo chão do quarto. A bruxa bateu com a ponta do cajado no chão e tanto ela quanto a criança desapareceram como que engolidas por um grão de areia suspenso no ar restando apenas um eco da velha cantiga de ninar: "Nana, neném... que a Cuca veio pegar...".



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