As sombras se levantavam pelos portais da igreja. Bancos vazios. Luzes apagadas. A tarde findava.
Álvaro estava caído na escada do altar principal. Os olhos arregalados perante o Cristo esculpido na própria cruz. As pernas do rapaz escorregavam e a cabeça rodopiava. Leve.
— Caiu, caiu... Babilônia, a grande? — Uma voz em meio a estalos bateu irônica.
— Voltaste, oh ovelha ferida... — em cada lado do altar, velavam Álvaro no chão — ...pelo pecado?
Anjos... Anjos com suas caras de fome voltadas para ele... Estátuas de madeira. Tonteou. Tentou levantar quando elas se inclinaram no seu rumo.
— Tens medo? Mas... mas, somos como rosas...
— CRAVOS! — gritou o outro.
— Sim... Cravos... Mais cravos para tua cruz...
Ergueram as mãos. Cabeça, braços, asas pontiagudas.
— Oh Senhor, atendei a nossa pressa!
Eram apenas um tronco: entalhes em altura humana, que com as mãos se arrastaram até o rapaz. Arranhavam o piso. Marcavam os ouvidos. Álvaro recuou para que elas não o tocassem.
— Por que fazes isso, creatura?! — Um dos Anjos perguntou cobrindo o rosto com as asas ao se deparar com as pupilas de Álvaro: dois lagos negros enormes a devorar as íris castanhas.
— Como era no princípio, — o outro respondeu — agora e sempre... — agora, agora, agora, o agora ecoou por mais tempo do que o sempre.
— Mas a língua clama por justiça — um dos Anjos agarrou o pulso de Álvaro, e o puxou para mais perto do altar. — E novilhos serão oferecidos.
As vozes eram ásperas.
E mais mãos vieram para erguer Álvaro. Ele sorria.
Os morcegos do teto resumiam-se a manchas a bater asas: testemunhas. Álvaro ergueu o olhar para eles, depois desceu o mesmo olhar sobre os rostos de traços retos a julgá-lo do chão. As pernas estavam frias. Uma mão tampou os olhos inquietos do rapaz, que ainda conseguiram ver de relance o brilho de uma faca.
— Tente piedade...!
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A parte dos cravos não estava nos planos, já considerava como finalizado o conto quando li o Pauliceia Desvairada do Mário de Andrade: "A passiflora! o espanto! a loucura! o desejo!/Cravos! mais cravos para vossa cruz!" (As enfibraturas do Ipiranga: As Juvenilidades Auriverdes). Ao ler isso a mente rodou e corri para mexer neste conto. Espero que a inserção não tenha ficado bizarra.
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Carne Morta e Outros Contos Folklóricos de Dark Fantasy
Short StoryGanhador do Wattys 2018 (Tesouros Escondidos). Sinopse: Há mais vida em nossas florestas do que imaginamos. Seres ocultos correm por entre as árvores, erguem-se nos céus ou rastejam para dentro de nossas casas. Criaturas imemoriáveis nadam por esta...