Segundo Capítulo: Herói da vida real

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Segunda-feira, 30 de junho de 1975.

Um corpo franzino começou a distinguir-se ao longe, na multidão. Caminhava apressadamente, a passos largos. Renato vinha na Rua Alfredo Bufren como uma bala em direção ao seu destino. Seu fim de semana inteiro foi tomado por resoluções obscuras, misturadas a pensamentos românticos e platônicos.

Virgínia. Seria ela o grande amor que tanto esperava? Ou mais um enorme punhal em seu coração? Sua imagem doce e sensual ficou gravada no seu cérebro. Ao mesmo tempo, uma impaciência angustiante batia em seu peito. Deveria fazer algo a respeito de sua vida. Tomar decisões, ajeitar seu futuro! Mas que futuro? Nem seu passado lhe parecia bem arrumado.

Alice. Possivelmente vou encontrá-la no prédio da universidade - pensou. Mas preciso fazer isso. Já é tempo de mudar. Colocar as coisas em ordem. Nos eixos. Não posso continuar assim. Saudade que não passa...

Renato queria trocar de curso. Pensava estar decidido a fazer Letras. Mas, no fundo... Não sabia ao certo. Atravessou a Praça Santos Andrade, agora lentamente, diminuindo o passo. Parou. Ficou olhando ao redor, para baixo, as formigas no chão. Procurou um banco para sentar. Esfregou seus braços envolta de si mesmo, esquentando o corpo ainda gelado da manhã. Em sua mente, saudades do início da faculdade; lembranças de quando fazia sessões voluntárias de psicoterapia com o professor Frederico, do curso de Psicologia - que compartilhava o prédio histórico com o curso de Direito. Lá naquela salinha provisória, deitado num divã antigo, dialogava consigo mesmo; lutava mentalmente contra todos seus fantasmas. De certa forma, eram exercícios semelhantes aos que praticava agora, sentado no velho banco da praça.

És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro? - perguntou uma criança que usava um boné azul escuro, com aba vermelha e a letra C bordada.

Renato não entendeu nada. Permaneceu sério como uma estátua. Na verdade, era como se não tivesse visto a criança, que estava ali, concretamente, parada diante dele; energia pura materializada em forma humana. Depois a criança sorriu e foi embora, ao encontro de sua mãe, que a chamava do outro lado da praça.

Levantou do banco, sem tirar os olhos do chão; fez apostas mentais, levantando, caminhando em direção à UFPR. As árvores lhe fizeram singelas reverências enquanto andava, imperceptíveis a olho nu. Confusamente chegou ao seu destino, subiu as escadarias e entrou.

Lá fora, o dia continuou mais nublado, menos azul. A praça Santos Andrade estava movimentada. Todo início de semana era assim. Uns passeavam despreocupados pelo centro; folheavam jornais, comiam doces. Geralmente eram pessoas mais velhas, ou mulheres com crianças. Outros vão e vêm apressados, contas na mão, olhos doidos. São homens. Não querem sentar. Outros bancos dominam suas vidas - não estes da praça. Suaves melodias foram ouvidas. Alguns pássaros ainda queriam cantar, sem ligar para a Crise do Petróleo.

Quarenta minutos se passaram de forma amena no centro. Renato desceu a escadaria, voltando da UFPR. As mãos nos bolsos. A praça, o mesmo banco vazio que deixara. Passou reto. Sumiu na multidão, na direção do Teatro Guaíra. Agora, com a matrícula trancada no curso de Direito, afastava-se cada vez mais da sua antiga vida social.

***

Ding! Dong!

Tomates são relativamente simples de cortar. Basta passar uma água fria, pegar uma faca comum. Picar. Depois, a massa já vem pronta. A panela fervente faz o resto, com um pouco de óleo e sal. Nada que um pequeno livro de receitas não ajude.

Era hora do almoço, e Renato se virava com um macarrão com molho, em seu apartamento. Triste, decepcionado consigo mesmo, já um pouco arrependido do que fizera pouco antes. Trancar seu curso... Teria sido uma boa escolha? Talvez. Colocar as ideias no lugar, ter tempo para decidir sobre o futuro com mais firmeza. É preciso uma profissão. Mas algo que signifique, que valha - pensava. Lembrou de seu pai novamente, refugiado na antiga casa da família em Quatro Barras. Será que deveria visitá-lo? Ter uma conversa franca, quem sabe? Tentar ajudá-lo, descobrir o que estava acontecendo... Ir até a delegacia para conseguir informações?

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