Quinto capítulo: Conflitos se estabelecem

41 3 3
                                    

PARTE II

Tempestade e Ímpeto

"Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti." Nietzsche

Quinto capítulo: Conflitos se estabelecem

Sábado, 5 de julho de 1975.

O quarto de Renato, ao contrário do resto do apartamento, não possuía nenhuma pintura nas paredes. Somente o constante bolor da umidade, proliferando aqui e ali, fazia a tintura branca começar a desmanchar em alguns pontos. A cena toda tinha algo de deprimente. Uma cama de solteiro em madeira, do tipo cerejeira, sustentava dois corpos finos, jovens, deitados sob grossas cobertas. Não havia mais nada ali, a não ser um aparelho de rádio muito velho jogado num canto, em silêncio, sobre jornais antigos, provavelmente comprados na banca do Leonardo, que ainda repercutiam a chegada do homem à Lua. Renato não lembrava muito bem, mas certamente fora seu pai que havia guardado aqueles jornais, devido ao seu grande interesse e curiosidade científicas. Estranhamente, toda essa curiosidade estava tornando Teodoro um homem ensimesmado e místico, quase um monge recluso, meditando sobre as questões primordiais da vida e da morte. Renato, sem rumo, hesitava inutilmente em seguir o mesmo caminho acadêmico.

Repentinamente e de forma estrondosa, ele e Virgínia foram acordados, no início da manhã, pelo som de mil relógios de parede tocando ao mesmo tempo. De onde vinha tanto barulho? Renato parecia atordoado, sem saber onde estava, nem que horas eram - nem mesmo se estava acordado. Virgínia, espremida entre ele e a parede, bocejava, com as mãos tapando os ouvidos, como se de alguma forma já estivesse desperta, somente aguardando o anúncio da alvorada.

Ticking away the moments that make up a dull day!

You fritter and waste the hours in an offhand way!

Logo Renato reconheceu a música Time, da banda inglesa Pink Floyd. Mas ainda sem entender de onde vinha. Virgínia o alertou sobre o barulho. Aos poucos, ele percebeu o que estava acontecendo. Um pouco contrariado, passando a mão pelos cabelos desarrumados, saiu da cama, vestindo apenas sua calça jeans e foi até o rádio.

Está desligado - disse, sem entender ainda de onde vinha o som.

Acho que a música está vindo de outro apartamento - concluiu Virgínia, levantando-se da cama e sentindo com a ponta dos pés a maciez antiga do carpete.

Pode ser - ele respondeu, procurando sua blusa de lã preta, misturada a uma pilha de roupas indistintas. Sorrateiramente lembrou-se que Ellen, a vizinha de baixo, gostava de rock e de ouvir música alta esporadicamente, sobretudo nos finais de semana. - Sim, deve ser a Ellen, do 405...

Tudo ainda era muito novo, inesperado e estranho para Renato. Pela primeira vez em sua curta vida, via-se ao lado de uma garota, de forma romântica e verdadeiramente íntima; não apenas comprando um par de horas de atenção sexual - tipo de contrato que gostava de estabelecer com a mulher da rua Comendador Araújo. Adorava Cíntia, e em muitos momentos sentia-se amado, protegido. A relação comercial, porém, o impedia de uma felicidade completa. Não por sentir ciúmes, nem algo parecido, mas simplesmente por saber que não podia contar com ela quando realmente precisasse. O tempo ia passando, e essa hora em que realmente precisava de alguém parecia haver chegado, junto com Virgínia. Mas seria confuso dizer se Renato precisava de Virgínia simplesmente porque ela agora existia, ou se esta necessidade já vinha crescendo dia após dia, muito antes de conhecê-la.

De fato, Renato sonhava com uma garota como sua vizinha há muito tempo, desde o final da infância. Naquela época, às vezes, ao raiar de pensamentos afetuosos, percebia-se fantasiando com uma doce menina de cabelos escuros e olhos claros, a pureza e a piedade em pessoa, fazendo suaves carinhos em seu cabelo, enquanto Renato descansava em paz em seu peito, num bosque afastado. Estes sonhos eram muito vivos e delicados, em tons de pinturas impressionistas, com notas agradáveis de frutas cítricas e lavanda - uma série de cheiros que o remetia ao fim de tarde no campo, após uma chuva de verão. Agora ela estava ali, diante dele, penteando os cabelos e ajeitando a roupa em seu corpo, de frente para espelho do banheiro.

Flores e FúriasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora