Décimo Capítulo: Renato busca refúgio no templo das aflições

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Um forte vento começou a soprar. Tudo estava perdido. Sua mãe estava louca. Seu pai estava deixando o Brasil. Felipe tinha roubado o antigo sucesso de sua família. Virgínia o tinha abandonado sozinho neste mundo. E seu irmão estava morto. Por culpa de quem? Sua? De Virgínia? Dos Republicanos de Skeldak? Da Ditadura Militar? Dos Comunistas?

Foi o desejo de matar Silvia que fez Renato matar seu irmão? Cocriação?

A chuva continuava. Renato corria a toda velocidade que podia alcançar, a esmo, sem rumo nenhum. Apenas queria fugir: da polícia e de si mesmo. Nenhum lugar no universo conhecido parecia pior para se estar agora: em sua própria mente. Ali, dentro de Renato, havia uma metrópole fria, suja e úmida, repleta de prédios, neons e labirintos sutis, onde poderia perder-se e ficar preso por anos, sem qualquer esperança de ajuda externa. Uma prisão sem muros.

Como era possível, pensou, que ele mesmo ou Virgínia tivessem matado Rafael? Isso não estava escrito em lugar nenhum, em nenhuma versão anterior de Flores e Fúrias! Afinal, este mundo não era consequência daquele? Onde estava escondido esse espelho misterioso, em que cada aspecto de seu mundo parecia um reflexo do outro?

Curitiba era a capital de sua mente, tanto quanto sua mente estava confinada em Curitiba.

Sem pensar direito, a força do hábito o levou em direção ao coração de sua cidade. Subiu a Rua Des. Westphalen, pulando sobre diversas poças de água. Próximo de onde passava correndo, Renato observou um pequeno grupo de hippies e outros bichos grilos protestando em marcha, sob a chuva, com faixas e palavras de ordem contra o uso da energia nuclear no país. Se apenas soubessem o quanto inúmeras mentes brilhantes estavam sendo perseguidas e obrigadas a abandonar a América Latina por causa dessa mentalidade tacanha... Um casal separou-se do mesmo grupo e, para surpresa de Renato, tirou sprays de tinta de uma bolsa. Então não era apenas ele? Não estava sozinho nessa arte - nessa transgressão aos bons costumes? De repente, não sentia-se mais tão subversivo assim. A mulher começou a pichar um muro com uma frase, enquanto o homem aparentemente lhe dava cobertura.

Insanidade.

O homem, reparou Renato, tinha o rosto idêntico a Adilson, pai de Virgílio. A mulher, enquanto pichava sob as águas da chuva, virou o rosto, e ali estava o semblante de Roberta. Os dois pareciam felizes como duas crianças, gritando como baderneiros do jardim de infância. No muro, uma frase estranha, que Renato pensou já ter lido antes: "Vida é o dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de Nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separe deste pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza. PL".

Então percebeu que o rosto dos pichadores... Era o dele próprio.

Mas Renato não tinha tempo para observar mais, muito menos tentar decifrar o significado daquilo tudo. Ainda ouvia as sirenes da polícia atrás de si. Será que podiam ver? Conseguiriam pegá-lo? Não se eu for mais astuto que eles, pensou... Precisava ocultar-se, como uma partícula subatômica, dobrada sobre si mesma nos poços profundos da ambiguidade quântica. Pouco adiante, viu o Museu de Arte Contemporânea e teve a idéia de entrar. Mas sem a menor intenção de apreciar a coleção. Na portaria, o vigia quis barrar sua passagem, enquanto olhava para Renato de cima a baixo, como se fosse um pedinte:

Estamos quase fechando, amigo.

Encharcado de chuva, ensanguentado, maltrapilho e ofegante, Renato tinha o semblante digno de pena naquele momento.

Por favor, só preciso analisar um quadro, para um trabalho da faculdade - respondeu, tentando argumentar.

Não passou muita credibilidade. Mas o vigia também só queria iniciar seu turno da noite em paz. Alguns visitantes passavam entre os dois, saindo do museu. O funcionário olhou para o relógio, enquanto Renato olhava fixamente para o vigia. As sirenes agora pareciam bem próximas, e o funcionário conseguiu compreender alguma coisa do que estava realmente acontecendo. De alguma forma, os olhos cansados do jovem inspiravam pureza e confiança. Tentou ajudar, protegendo o jovem garoto, mesmo sem conhecê-lo:

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