Último Capítulo: O canto do cisne

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Então, Renato? Está realmente pronto para despedir-se de Virgínia? Vamos lá, rapaz... Use o Lápis para me ajudar. Para ajudar seu doce anjo das trevas...

Felipe deu um leve tapinha com a mão sobre as costas magras do jovem.

Renato não prestou atenção. Olhou para trás. Não viu nada além das flores da praça e do frio terrivelmente congelante e úmido que fazia na capital paranaense, do alto de seus mais de novecentos metros de altitude. Enquanto Felipe abria com sua chave as portas de entrada da Universidade Federal, o coração de Renato começou a ficar mais acelerado, enquanto seu cérebro nadava em um mar de ácido e lava. Um misto de angústia e dor, medo e ímpeto. Coragem para mudar. Resignação para aceitar.

Onde está o vigia? - questionou Renato.

Doente.

Os dois entraram e caminharam em silêncio pelo pequeno salão escuro, cheio de pequenos barulhos de goteira e um eco ensurdecedor de vazio. Depois começaram a subir as escadas internas do prédio. Professor e aluno iam na direção daquela sala. No último andar. Aquele espaço tão familiar a Renato. Ele sabia. O cheiro. Flores. O perfume de Virgínia.

Depósito.

Sim, era ali que sua namorada se escondia.

Eu conheço essa sala - disse Renato.

Conhece? É só um depósito - Felipe afirmou, sorrindo com um leve traço de ironia...

Sim. Mas antes disso era um espaço para atendimento psicológico aos alunos, servidores e professores.

Compreendo - respondeu Felipe. - Foi aqui que você fez psicoterapia, com o professor Frederico?

Renato fez sinal positivo com a cabeça, prestando mais atenção ao perfume inebriante de Virgínia que vinha lá de dentro. Estava impaciente, atento, os olhos muito abertos. Poderia pegar um mosquito entre os dedos. Uma ideia macabra lhe passou pela cabeça. Uma vaga ideia. Uma ideia perturbadora...

Felipe.

Renato olhou bem para Felipe, protegido pelas sombras da noite. Ora o corpo do professor de Literatura Russa desaparecia, ora seu peito parecia explodir lentamente, com seus ossos e músculos sumindo, até sobrar unicamente um velho coração palpitante, levitando e sangrando no ar.

Ilusões e truques de ótica não me enganam mais, Dr. Dignoli...

***

Felipe finalmente abriu a porta do depósito. O ambiente estava parcialmente escuro, iluminado apenas pela luz dos postes de iluminação da praça, que entrava pelas vidraças fechadas, sem cortinas, e por um pequeno abajur aceso no aparador ao lado do divã - exatamente o mesmo divã que havia sido utilizado por Renato cerca de dois anos antes.

O velho chão de taco estava cheio de caixas de papelão, repletas de papéis, pastas e outras relíquias inúteis da universidade, que ainda deveriam passar por uma espécie de pente fino pelo Setor de Patrimônio, antes de receberem baixa ou serem reutilizadas. Desde máquinas de escrever, impressoras matriciais, calculadoras contábeis, quadros negros, giz, arquivos, folhas em branco, até mesmo pacotes fechados de arroz e feijão, utensílios de cozinha, talheres, um botijão de gás, restos de pisos, azulejos, torneiras, argamassa, espelhos e um vaso sanitário de porcelana branca.

Atrás disso tudo, Virgínia, sentada no chão frio, no fundo do ambiente, depois da luz do abajur, olhos azuis como o mar, alucinados de pavor e desânimo. Sabia que ali era o fim da linha. Ou morreria ou voltaria para a guerra sanguinária interminável de Lowuream. Para os calabouços do palácio das Quatro Princesas Herdeiras, como traidora, onde seria eternamente fustigada, condenada a vagar sem poder algum. Ao menos era o que ela pensava. Sempre soube, no fundo, que Felipe não cumpriria sua parte no acordo. Não poderia viver discretamente na Terra, em Curitiba, muito menos ao lado de Renato. Jamais. Homens não tinham palavra alguma... Sim, ela já deveria saber.

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