Sétimo Capítulo: Inimigos à vista

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A casa de Virgílio tinha a grama bem aparada. As luzes estavam acesas. De longe, esfregando as mãos para se aquecer do frio, Renato teve a suave impressão de que seu amigo movimentava-se pela sala. Já havia chegado até ali; certamente compreenderia a visita inesperada.

Dong! Ding! Blem!

Adilson, o pai de Virgílio, abriu a porta alegremente, enquanto segurava uma taça de vinho tinto. Uma música de Chico Buarque tocava no aparelho de som e sua esposa, Roberta, comia pasta de grão-de-bico e também bebia, acomodada diante da mesa de jantar.

Renato! Quanto tempo? Pode entrar, fica à vontade; o Virgílio já vai chegar. Provavelmente... - disse Adilson, rindo.

Desculpe, não quero atrapalhar - respondeu, Renato dando meia volta. Mas Adilson o puxou para dentro de casa pelo braço.

Que nada, entra aí! Sem cerimônia. Você é de casa, Renato. - Os pais de Virgílio eram pessoas extrovertidas, abertas e, além disso, gostavam da figura de Renato, a qual achavam confiável e, ao mesmo tempo, peculiar.

Boa noite, Renato. Senta aqui conosco. Já jantou? - perguntou Roberta, após limpar a boca com um guardanapo.

Não sinto fome...

Você está magricelo, chapa, come aí com a gente! - insistiu Adilson, enfiado em uma calça boca-de-sino, um pouco extravagante para ficar em casa. Renato deu um sorriso sem graça.

Não, obrigado.

Você não quer comer porque não tem carne? Não quer experimentar grão-de-bico com pão sírio? Está delicioso - sugeriu Roberta, sorrindo.

Não, não é por isto. Eu amo animais e também os respeito. Eu acho. - Neste momento lembrou de Virgínia e Caronte. E de todos os animais que ele mesmo já havia comido. E de todos os animais que Caronte havia comido, triturados em sua ração, que humanos lhe serviam, sem que o próprio gato soubesse de onde vinha. Na natureza o instinto lhes nutria com ratos, passarinhos, baratas. Domesticados comiam ração, feita do que nós, humanos, decidimos que o gato deveria comer. - Eu li um pedaço de um livro de Peter Singer, sobre esse assunto, na Biblioteca Pública. Compreendo vocês. Mas apenas não sinto fome.

Tudo bem. Aceita um vinho, então? Pode beber, Renato, você e o Virgílio já estão grandinhos - disse Adilson, enchendo uma taça para Renato. - Pode pegar. Beba um pouco, você parece tenso, abatido.

É verdade, completou Roberta. - Renato pegou a taça de vinho das mãos de Adilson e bebeu tudo de um gole só. Os pais de Virgílio apenas observaram, calados e, em seguida, Adilson encheu a taça de Renato uma vez mais.

Obrigado - disse Renato, que ficou segurando a taça e olhando para seu conteúdo com uma expressão anódina, como se encarasse firmemente um abismo infinito. Depois de algum tempo, perguntou: - Onde o Virgílio foi?

Esse é o problema - respondeu Adilson, olhando para Roberta.

Não sabemos. Mas é provável que volte daqui a pouco - ela disse, levantando a sobrancelha, depois de mastigar sua comida.

Sei - comentou Renato.

Sabe se ele está envolvido com algo suspeito? - perguntou Adilson, sem rodeios. - Estamos desconfiados que anda metido com drogas...

Não sei de nada - Renato respondeu, balançando o rosto e tomando mais vinho. - Faz tempo que não falo com ele. Ando meio afastado.

Ah, sim, claro...

Vocês não têm medo de andarem na rua a essa hora? Digo, com essas mortes na cidade? Alguns casos têm passado pelo meu setor na Santa Casa - disse a mãe de Virgílio.

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