2. Virginia Woolf foi mais feliz que você

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15/02/2016

Virginia Woolf escreveu em seu bilhete de despedida que não achava que duas pessoas poderiam ser tão felizes quanto ela e o marido tinham sido. Eu me pergunto por que razão, então, ela se matou. Meu irmão não deixou um bilhete de despedida, seus bolsos estavam vazios. Já Virginia Woolf colocou pedras nos bolsos e se deixou afundar num lago gelado no interior da Inglaterra. Morrer exige muita criatividade.

Sei que isso não é algo muito bom para se pensar durante uma aula de Teoria Literária I, mas foi o que fiz o tempo todo. Os livros do meu irmão não saem da minha cabeça e acho que estou um pouco obsessivo. Tento me desviar desses pensamentos, como me disseram pra fazer. É um esforço enorme não pensar no nele, mas simplesmente não tenho mais no que pensar. Sei que nem sempre foi assim, mas esse tempo parece tão distante que me faz achar que se trata do passado de alguma outra pessoa, não meu.

Não faço a menor ideia do que a professora falou durante a aula, e, na verdade, não me importo muito. Mais cedo procurei pelo caderno do Théo e não encontrei; tenho quase certeza de que o tinha guardado na mochila. Foi enquanto procurava que olhei de verdade para os meus colegas de sala pela primeira vez.

Não sei se consigo ficar nessa faculdade por quatro anos. Não tenho nada em comum com essa gente. Aliás, preciso contar sobre a última aula de hoje. Pouco antes de terminar, três pessoas entraram na sala e foram até a professora. Eram dois garotos e uma menina. Um dos caras parecia ser mais velho, vinte e tantos anos. A garota tinha dreads e o cabelo preso, e parecia entediada. O terceiro sujeito, mais ou menos da minha idade, era a última pessoa que eu queria ver.

— Fala galera — ele disse. — Desculpa atrapalhar a aula da Marina, mas a gente queria se apresentar. Meu nome é Luan, sou presidente do Diretório Acadêmico, regência de 2016 e 2017. — Ele sorria um sorriso grande demais, daqueles que chegam a incomodar. — Esse aqui é o Bruno, tesoureiro, e a Laura, vice presidente — ele terminou.

Prendi a respiração. Algo me dizia que se eu respirasse ele me notaria. Belo Horizonte é uma cidade complicada. É uma capital, tem mais de dois milhões de habitantes, mas mesmo assim parece que sempre nos esbarramos nas mesmas pessoas, qualquer lugar que formos. Abaixei a cabeça e fingi mexer no celular. Nunca torci tanto para que alguém não me reconhecesse. Tanto curso para escolher e fui logo para o que tinha aquele cara como presidente do DA. Minha mãe sempre dizia que eu era um garoto de sorte.

— A gente queria dar as boas vindas. Esperamos que gostem muito do curso de Letras, e qualquer dúvida ou problema, é só falar com a gente que estamos à disposição para ajudar no que for preciso — completou a garota.

— Queríamos dizer também que já estamos marcando a data da primeira calourada, e que ainda estamos planejando o trote — Luan voltou a falar, em meio a murmúrios e vozes empolgadas ecoando pela sala. Eles riram.

Os três saíram, e a conversa reverberou por todos os lados. A professora desistiu de continuar a aula, tamanha a confusão, e ficou sentada, lendo enquanto esperava. Eu peguei minhas coisas e fui embora, precisava pensar e tentar ficar tranquilo.

Agora, estou pensando em Théo e me sentindo incomodado. É que, quando mais novo, se alguém me perguntasse quem eu achava ser a pessoa mais feliz do mundo, eu não hesitaria nem por um segundo em responder que era o meu irmão. Mas a vida e a morte são essas duas coisas confusas. A felicidade também. Às vezes me perco enquanto pondero sobre elas.

Hoje escutei minha mãe ao telefone. Tenho quase certeza que ele estava falando com o médico. Estamos tentando, ela disse. Queria muito dizer a ela que não se preocupasse comigo, que o importante agora era o Théo.

Antes que eu te deixe ir #wattys2018Winner!Onde as histórias ganham vida. Descobre agora