8. Faça a sua primeira vez ser a última

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Dizem que Florbela Espanca tentou se matar duas vezes, mas só conseguiu mesmo na terceira. Ela provavelmente não tinha planejado a coisa muito bem, ou teria conseguido de primeira. Talvez esse tenha sido o caso do meu irmão. Se tivesse feito todos os cálculos, saberia com toda certeza se o impacto o mataria ou não.

Eu pensava muito sobre isso. Nos momentos em que ficava quieto e sozinho, os únicos pensamentos que permeavam minha mente tinham a ver com Théo. Era nessas horas que eu decidia que devia ler o caderno o mais rápido possível. Mas sempre desistia. Tinha medo do que iria encontrar.

Ainda no meu quarto, Flora já estava roendo as unhas com esmalte escuro, em silêncio. Queria perguntar o que ela estava pensando, mas em vez disso, suspirei e me encostei na parede, sem ter a mínima ideia do que deveria fazer.

Escutei o barulho da chave na fechadura, passos se aproximando da porta e cochichos cuidadosos. Em seguida, os passos da minha mãe pelo corredor, se aproximando. Ela parou na porta, como se não ousasse entrar e falou:

— O jantar está na mesa. Você está com fome, Flora? — disse olhando para a garota.

Meu estômago já estava começando a ficar esquisito.

E então, estávamos sentados. Flora ocupava o quarto lugar da mesa, um lugar vazio há tanto tempo que a sensação da mesa completa incomodava. Sentei-me em silêncio, e meus pais tentavam disfarçar cochichos inoportunos. Flora tinha um sorriso no rosto e PJ a postos ao seu lado, no chão. Minha mãe pegou um prato e me serviu enquanto meu pai sinalizava a Flora para que fizesse o mesmo. A garota me analisou com o olhar, como se tentasse em vão entender como minha família funcionava, mas não disse nada.

— Você e Max são colegas na universidade? — foi meu pai quem quebrou o silêncio.

— Sim senhor, também sou caloura — ela disse.

— Por favor, me chame de Maurício.

Eu podia ver as veias no pescoço dele pulsando. Acho que estava morrendo de curiosidade. Sabia que ele queria fazer todo tipo de perguntas, mas estava se segurando.

— Está gostando do curso? — recomeçou meu pai.

Eu tentava esquecer onde estava e o que estava acontecendo. Brincando com a comida, comecei a lembrar de como era quando os amigos do Théo vinham almoçar aqui em casa e minha mãe se desdobrava para que tivesse comida para todo mundo. Naquela época, tínhamos uma empregada que Théo deixava louca quando trazia colegas para casa.

— Acho que sim — respondeu Flora depois de alguns minutos pensando. Eu gostava do fato de como ela parecia pensar de verdade antes de responder alguma pergunta.

— É um pouco cedo pra dizer com certeza — ela concluiu. Meu pai e minha mãe balançaram a cabeça, satisfeitos com a resposta.

— E você, Max? Está gostando? — perguntou meu pai.

— Não muito — respondi. E todos fizeram silêncio. Só se escutava o tilintar dos talheres contra os pratos.

Era esquisita aquela cena. A mesa completa de novo.

Quando todos já estavam quase terminando de comer, Flora deixou os talheres de lado e voltou a falar.

— E por que você não está gostando? — perguntou olhando em minha direção. Demorei alguns segundos para me lembrar do que ela estava falando.

— Não sei direito. Acho que não combina comigo — justifiquei.

— Não combina?

Olhei para ela, sem dizer nada.

— Você diz que não está gostando do curso, que não combina com você, mas nem dá uma chance pro lugar. Ou para as aulas.... — ela foi dizendo ao mesmo tempo em que voltava a pegar o garfo e empurrava comida para ele, com certa pressa. Fiz uma careta.

— Não é bem isso. É que já conheço muitos dos assuntos das aulas — expliquei.

— Acho que você se acha especial demais — ela disse de um jeito espontâneo. Para Flora, as coisas que dizia não tinham impacto. Escutei o ar se prendendo nos pulmões dos meus pais enquanto observavam a discussão, calados. Fazia muito tempo que palavras não eram trocadas naquela mesa.

Era bom, eu acho, ter alguém ali. Alguém que desconhecia nossas dinâmicas familiares e que claramente não media palavras. Mas eu me sentia invadido, impedido de seguir minha rotina como eu espera fazer. Era algo agridoce. A presença dela me incomodava. A discussão era chata, inoportuna. Ela não tinha nada a ver com nada daquilo. Era uma garota ocupando o lugar de Théo, e isso me tirava do sério. E ela falava demais. Mas jantar em silêncio era cada dia mais insuportável.

— Mas você é tão especial quanto o resto de nós — ela completou, interrompendo meus pensamentos e posicionando seus talheres de lado.

Depois disso, ninguém disse mais nada. Meu pai e minha mãe terminaram de comer e retiraram a mesa enquanto eu e Flora, sentados em lados opostos, nos encarávamos.

Quando meus pais já tinham terminado de arrumar a mesa e a cozinha, Flora se levantou, coçou a cabeça de PJ e anunciou que precisava ir. Minha mãe se despediu com um abraço dizendo "Volte sempre", e meu pai acenou enquanto ela se dirigia até a porta.

— Até mais, Max — Flora disse olhando para mim. Nem tive tempo para pensar no que dizer, e ela já tinha ido.

— Gostei dessa garota.

Essa foi a única coisa que meu pai disse depois que fechei a porta.


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[[[Pessoal, esse capítulo e o próximo subiram sem revisão, porque estou com muitos problemas em casa, mas assim que isso passar vou voltar e editar, tá? Preciso inserir algumas passagens do Max com o psicólogo, coisa que não existe na primeira versão do livro, e que preciso inserir. Espero que entendam. :**]]]]

Antes que eu te deixe ir #wattys2018Winner!Onde as histórias ganham vida. Descobre agora