3. Coloque a cabeça no forno

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16/02/2016

Sylvia Plath ligou o gás e colocou a própria cabeça no forno. Ela foi criativa, é o que posso dizer. Mas não foi uma morte bonita. Se afogar num lago inglês, rodeado pela paisagem bucólica do interior da Inglaterra é muito mais poético. Uma cabeça no forno, no entanto, é bem mais impactante.

Gostaria de saber se, antes de fazer isso, todas esses escritores pensaram muito sobre a forma como morreriam. Volta e meia me pergunto se Théo planejou com detalhes tudo o que faria. Eu tinha muitas perguntas, mas não tinha certeza se queria mesmo as respostas. Meu irmão era difícil de decifrar, mas uma coisa eu tinha notado no tempo em que eu passava em seu quarto abandonado. Os autores que ele lia... Bom, quanto mais eu descobria sobre eles, mais eu entendia o Théo. Passar horas com aqueles livros tinha se tornado uma espécie de refúgio.

Meu irmão tinha sido categorizado como o garoto-problema. Tanto na escola quanto em casa.

— Eu não acredito nisso! — meu pai gritou ao entrar em casa arrastando meu irmão pela blusa do uniforme, uns bons anos atrás. Ele tinha 7 anos na época. Eu estava sem saber porque tinha sido levado da escola mais cedo. Mas, como já imaginava, tinha algo a ver com Théo.

— Me desculpa, pai! Me desculpa! — Meu irmão repetia, mas meu pai estava furioso demais para escutar.

— Colocar fogo nas carteiras da sala, Théo??!? Estou criando um marginal! — ele gritava.

Théo foi mandado para o quarto, não poderia sair de casa para brincar por um mês inteiro. Eu achei melhor ficar quieto também.

Doze anos depois do incidente do Théo com as carteiras, me peguei pensando mais e mais sobre ele, como se o tempo tivesse parado. Depois, passei umas boas horas pensando sobre o que poderia ter significado escolher morrer pulando da janela de uma biblioteca, e acabei dormindo.

Acordei, sentado na mesma cadeira de todos os dias, escutando as mesmas vozes. Tentei prestar atenção nas conversas que chegavam a mim como sussurros e invadiam meu cérebro, me deixando inquieto. Olhava para o professor na minha frente e para o relógio no celular, esperando. Esperando o tempo que não passava nunca, por mais que eu suplicasse.

Agora estou em casa e não me sinto melhor.

Procurei pelo caderno do Théo em todos os lugares. Tirei as roupas do armário, levantei o colchão, revirei gavetas. Minha mãe se aproximou da porta, provavelmente atraída pelo barulho.

— O que você está fazendo, Max?

Parei e me sentei na cama.

— Só procurando uma coisa.

— Quer me dizer o que é? Assim te ajudo a procurar — ela disse, chegando perto e se sentando ao meu lado. Não ousei olhá-la nos olhos. Isso me incomodava.

— Não precisa. Acho que já sei onde está — foi o que falei, e ela sumiu em direção ao corredor.

Deitei na cama, tentando me acalmar. Não fui para a faculdade nos próximos dois dias; não consegui. Fiquei aqui, tentando aceitar o fato de que eu tinha perdido o caderno. Tentei afastar os pensamentos.

É só um caderno, Max.

Tomei todos os remédios e dormi por quase quatro dias para não ter que pensar.

Como eu podia ser tão idiota?


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