6. Morrer não dói

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A bala que atravessou o crânio do Hemingway o matou tão rápido que ele quase não sentiu dor. O carbono fez com que Anne Sexton desmaiasse antes que ele atingisse seu coração. Nenhuma dessas mortes doeu de verdade. O que doeu foi o momento antes delas. O momento em que decidiram, enfim, morrer. Théo deve ter sofrido como nunca durante aqueles poucos minutos que levou para caminhar até a biblioteca, subir as escadas, abrir a janela e pular.

Quando me tranquei no quarto, já em casa, tentando conseguir um pouco de paz para pensar nas razões, ou tentar me lembrar de qualquer coisa que me ajudasse a entender, fui interrompido pela voz dura da minha mãe.

- Max, deixa a porta aberta, por favor, já pedi mil vezes - disse do outro lado, já abrindo a porta. Privacidade era algo desconhecido naquela casa. Ficou ali parada, me analisando.

- O que aconteceu na faculdade? - indagou.

Eu me perguntei qual era a das mães e sua capacidade de onisciência, até que me dei conta de que o único lugar para onde vou além da minha própria casa, é a faculdade, portanto minha mãe não era assim tão esperta.

- Nada - sussurrei.

Minha mãe costumava ser uma pessoa tranquila. Seus cabelos castanhos ficavam sempre soltos e ela ria de maneira escandalosa assistindo seriados antigos. Mas aquela pessoa não existia mais. Seus cabelos, agora, estavam sempre presos de forma desarrumada, e a única coisa que eu a via assistindo na TV era o noticiário. Não entendia como, ainda assim, eles insistiam em fingir que tudo era como antes.

- O almoço está quase pronto - ela disse baixinho. - Você pode vir?

Seu olhar estava me dizendo para ir comer, por favor, por favor. Então me levantei e cheguei perto dela. Seu olhar se acalmou um pouco, e ela seguiu pelo corredor até a cozinha. Sentei à mesa da sala e esperei. Ela fez meu prato, se sentou, e começou a comer. Fiz o mesmo.

- Está bom? - ela perguntou.

- Está sim, obrigado.

E essas foram as únicas palavras que trocamos. Ela também sabia como era difícil falar.

De volta ao quarto, liguei o videogame, com PJ ao meu lado na cama, e imaginei que Assassin's Creed seria capaz de fazer passar o tempo até que eu ficasse exausto e adormecesse. Mas meus planos foram diabolicamente interrompidos.

A campainha tocou no fim da tarde, o que foi um acontecimento e tanto, porque a campainha da nossa casa nunca tocava. PJ saiu correndo para averiguar de perto a situação.

- Max, é pra você! - gritou minha mãe.

Saí da cama do jeito que estava, de bermuda e sem camisa. Na porta da sala, esperando em frente a uma mãe sorridente demais, estava Flora. Levantei uma sobrancelha analisando aquela cena. Minha mãe estava com uma mão na maçaneta da porta, meio de lado, olhando de Flora para mim e de mim para Flora como se aquela fosse a coisa mais empolgante que presenciava há muito tempo. Depois pareceu cair em si e foi para a cozinha, de onde, eu tinha certeza, iria escutar direitinho cada palavra trocada.

- Você vai me convidar pra entrar? - perguntou a garota que agora tinha os cabelos azuis presos para o alto com pedaços de franja que insistiam em cobrir seu rosto.

- Como você sabe onde eu moro?

- Tive que explicar a situação pro Diretório Acadêmico... eles me deram uma ajudinha.

Flora vestia as mesmas roupas da manhã, seus cabelos caíam no rosto de forma desarrumada e ela me encarava, sem qualquer coisa que a distraísse.

Antes que eu te deixe ir #wattys2018Winner!Onde as histórias ganham vida. Descobre agora