4. A vida é tóxica

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21/02/2016

Anne Sexton vestiu um grande casaco de pele, se trancou na garagem de casa e ligou o carro. Morreu por intoxicação por monóxido de carbono. Queria saber quanto tempo levou até que ela morresse.

Passei a noite em claro, primeiro pensando sobre onde eu poderia ter perdido o caderno, e não cheguei a nenhuma conclusão. Depois, pesquisei sobre os efeitos do monóxido de carbono no corpo. Se você passar tempo suficiente respirando isso, o seu sistema nervoso central se intoxica, até impregnar o coração. E é aí que você morre.

Quando estava em casa, Théo sempre escrevia. Nos últimos meses ele vinha passando mais tempo em casa, quieto. Estávamos até nos falando mais que o normal.

- Você não está saindo tanto esses dias - eu disse numa tarde de sábado. Théo estava deitado na cama, folheando o caderno preto. Parecia distante.

- Acho que não estou no clima - ele disse sem nem mesmo olhar para o lado.

Fazia um tempo que eu não puxava conversa com ele, porque ele não era de querer papo comigo. Quando mais novos, sempre assistíamos a maratonas de Doctor Who. Passávamos horas juntos, comentando todas as cenas. Acho que foi assim até uns 14 ou 15 anos. Théo nunca mais assistiu Doctor Who.

Lembro que olhava para o caderno e me perguntava o que tanto meu irmão escrevia nele. Nunca me atrevi a perguntar. Anne Sexton escrevia poesia para tentar sobreviver. Acho que Théo pode ter usado o caderno para a mesma coisa. Foi quando me dei conta disso que perdi o controle. Sinto muito, não queria que isso tivesse acontecido.

Eu havia perdido o caderno. A coisa mais importante que eu tinha do meu irmão. Ele estava inteiro naquelas páginas, eu precisava daquilo mais do que de qualquer outra coisa.

Respira, Max. Respira. Respira. Respira.

Como te falaram para fazer.

Vai acontecer de novo. Não vou conseguir controlar.

Devagar. Com calma.

Respira. Respira. Respira.

Não sei como descrever esses momentos, mas me disseram para tentar, então é o que vou fazer.

Imagine que você está em alto mar, nadando. Você está cansado de tanto nadar e, de repente, vê um tubarão. Ele some da sua vista, mas você sabe que ele está lá embaixo, a espreita, e pode atacar a qualquer momento. Imagine que você está preso nesse momento antes do ataque. Você tem certeza que vai morrer. Que algo está prestes a acontecer... Mas nada acontece. Esse momento de pânico é prolongado indefinidamente. O momento nunca passa, porque ele só existe na sua cabeça.

Bom, é assim que me sinto o tempo todo. Na maior parte do tempo eu consigo me convencer de que não é real, que o que estou sentindo não é verdade. Mas às vezes não consigo. Se você se sentisse assim o tempo todo, acho que também ficaria cansado.

A segunda-feira chegou e eu voltei à universidade. Era bom poder respirar em um lugar que não estava encoberto por lembranças. Mas quando cheguei na sala, a confusão estava formada. Mil vozes, uma falando por cima da outra. Um garoto estava em pé em cima da mesa tentando organizar a discussão.

- Ei, ei! - gritou ele. - Vamos falar um de cada vez, não tá dando pra entender nada.

- Eu falei com o coordenador, ele disse que está averiguando o que aconteceu.

- O que aconteceu? - perguntei, perdido, enquanto tirava a mochila das costas.

- Alguma coisa sua sumiu?

Antes que eu te deixe ir #wattys2018Winner!Onde as histórias ganham vida. Descobre agora