5. Você deve saber a hora certa de puxar o gatilho

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22/02/2016

Hemingway estava cansado, então colocou uma arma contra a têmpora e atirou. Ele usou a mesma pistola com a qual seu pai havia se matado. Depois de ter sobrevivido à praticamente tudo, só mesmo Hemingway poderia saber a hora certa de morrer. Não sei se meu irmão tinha plena consciência do que estava fazendo. Ele não tinha mais de 60 anos e nem a saúde comprometida. Estava só começando a descobrir as coisas por aí. Estávamos só começando a nos acostumar com as consequências das coisas que fazíamos.

— Então — disse uma voz interrompendo meus pensamentos e me trazendo de volta para o presente. O cabelo da garota, vigorosamente azul, era capaz de cegar qualquer um ao refletir a luz do sol no pátio central da universidade. — Você é o Max, não é? — ela sorriu se aproximando um pouco mais. — Sinto muito, mas você tá nessa comigo.

Flora. Ela passaria despercebida não fosse o cabelo chamativo. Mordia os lábios com impaciência enquanto esperava por alguma reação minha. Franzi a testa, tentando enxergar seu rosto debaixo do sol do meio-dia.

— Oi — comecei, meio incerto — Foi mal, mas não vou participar da brincadeira — eu disse, voltando a olhar para a frente.

— Ah, ótimo. Temos um rebelde — ela disparou.

Flora se jogou na parede ao meu lado, ainda esperando pelo desenrolar da situação, ou pensando no que dizer. Ela exalava impaciência. Parecia piscar os olhos mais que o normal. Depois de uma série de suspiros, ela voltou a falar:

— Olha, posso ver que você não tá feliz e tudo o mais — disse enquanto tentava prender os cabelos em um rabo de cavalo mal feito. — Eu também não estou nada feliz de participar disso aí, mas quero o meu livro de volta, e não quero ser uma estraga prazeres. Então você bem que podia dar aquela forcinha.

— Pegaram um livro seu? — perguntei.

— É um livro importante. Por favor? Vai ser legal! — ela exclamou, com os olhos cheios de expectativa.

— Desculpa... É que não tenho como fazer isso agora.

— Cara, juro que vai ser divertido — ela insistiu. — Assim você melhora essa sua cara.

Ela me encarou.

Ótimo. Eu não queria ter que me preocupar com um trote de faculdade. Quando pensei sobre isso, ainda antes do início das aulas, achava que iam pintar minha cara, jogar ovo no meu cabelo, e aí eu iria pra casa, tomaria um banho e tudo acabaria, sem dores de cabeça. Flora estava me olhando com um olhar pedinte e eu não sabia como reagir àquilo.

— Olha, vou lá no D.A. falar com eles. Vou explicar que você não tem culpa por eu não querer participar. Me desculpa — eu disse.

— Cara, você vai queimar o seu filme...

Levantei a sobrancelha me perguntando porque aquela garota estava agindo como se tivéssemos acabado de sair do ensino médio, aí me lembrei de que realmente tínhamos acabado de sair do ensino médio, e achei melhor não dizer nada. Nunca fui bom de conversa.

Saí do pátio e fui em direção ao Diretório Acadêmico, tentando pensar no que dizer e em como dizer, palavra por palavra, e quando passei pela porta vi que Flora estava logo atrás de mim.

O D.A. era praticamente uma boca de fumo, o cheiro de maconha tomava conta do ar. O lugar era uma sala grande no segundo andar que tinha pufes espalhados, um Super Nintendo, uma enorme mesa de sinuca, TV, frigobar, e computadores e impressoras para uso geral. Alguns dos integrantes do D.A. estavam sentados em cima da mesa, no canto, analisando papéis.

Aproximei-me e Flora ficou parada, encostada na porta, observando de longe. Queria dizer a ela para que me deixasse fazer aquilo sozinho. Assim que eu falasse, Luan iria me reconhecer, e eu não queria lidar com aquilo na frente de alguém da minha sala. Eu teria que conviver com eles por quatro anos.

Antes que eu te deixe ir #wattys2018Winner!Onde as histórias ganham vida. Descobre agora