TRÊS - Parte 1

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— Você não contou por que veio parar aqui depois de me avisar que Meje estava vindo — Vanessa fala.

Levanto as sobrancelhas e tomo um gole do chá de camomila que já está quase gelado. Ela até demorou mais do que eu esperava para falar alguma coisa - e eu estava certa. Vanessa não vai insistir naquele primeiro comentário que eu fiz, lá fora.

— As áreas de deserto podem ser usadas como passagem, ainda — conto e dou de ombros. — Não é como as fendas naturais, que alguém pode atravessar sem nem ver, mas se a pessoa souber o que está fazendo...

— E Meje atravessou para o outro lado — ela completa.

Assinto.

— Sabe aquilo que eu falei sobre o contrato quebrado ainda nos manter ligados? Consigo sentir Meje. Vou saber quando ele voltar para o nosso mundo.

Vanessa inclina a cabeça e estreita os olhos de uma forma que se parece demais com o que Nero faria.

— Então você veio para cá porque se sentisse que ele está com problemas e precisasse ir atrás dele onde quer que seja, já estaria perto da passagem.

Coloco minha xícara na mesa e balanço a cabeça.

— Não. A área de deserto mais perto da hospedaria nem é tão perto assim e...

Não. Ela falou sobre a passagem. Não sobre usar as áreas de deserto. A passagem da hospedaria.

— Isso é possível?

Vanessa sorri e se inclina para trás.

— Você não sabia?

Balanço a cabeça.

— Sempre achei que elas fossem fixas. Quer dizer, os mundos que ligam.

— Não é tão simples assim. As passagens são fixas. Se você for lá, agora, e atravessar, sabe onde vai estar. E se voltar, sabe que vai estar aqui, também. Não tem como eu só falar um "ah, hoje eu quero ir para tal lugar" e pronto. Não funciona assim.

Mas foi exatamente isso que ela acabou de sugerir.

— Então como... — começo.

— Sua ligação com Meje. Se isso prende vocês a ponto de conseguir saber se ele está com problemas, mesmo sem estar no nosso mundo, então é forte o suficiente para funcionar como uma âncora para a passagem. Uma chave.

Encaro Vanessa sem nem tentar disfarçar minha surpresa. Como eu nunca soube que algo assim era possível? Não que eu fosse usar, mas... As possibilidades, tanto boas quanto ruins...

E foi ela quem ofereceu, não foi?

— Se você diz que isso daria certo, não sou louca de recusar — falo. — Se ele demorar mais dez minutos...

Ela levanta as sobrancelhas e ri.

— Está contando quanto tempo?

— Duas horas desde que ele atravessou. É mais que o suficiente para entender qual mundo é, se é o que ele estava pensando e tentar identificar qualquer problema possível que esteja por perto das áreas de deserto.

Vanessa fica séria de uma vez.

— Meje não sabe qual mundo está do outro lado da areia — ela fala.

Merda. Falei demais. E não vai adiantar nem tentar distrair Vanessa ou tentar fingir que ela entendeu mal.

— Rafaela...

Dou de ombros.

— A ideia não foi minha, para começo de conversa. E não tem outro...

Uma coluna de sombra passa por debaixo da porta e se levanta perto da bancada central. Me levanto de uma vez, antes do rosto de Nero se materializar e sua forma ficar ao menos um pouco sólida. Problemas. Nero sempre toma cuidado com como vai aparecer e quase nunca vejo ele assim, mais sombra que humano.

Ele se vira para mim.

— Alessio precisa de ajuda.

Jogo o celular dentro da bolsa e já estou com ela no ombro assim que Nero termina de falar.

— Ele falou o que aconteceu?

Nero balança a cabeça.

— Só avisou que precisa de você e está indo para sua casa.

Para minha casa. O que quer dizer que é algum tipo de ferimento.

As defesas vão se abrir para Alessio. Pelo menos isso. Não preciso correr para ter certeza de que ele não vai ficar parado do lado de fora.

Olho para Nero de novo.

— Eu não soube de nada...

— Não aconteceu nada que eu saiba — ele fala.

Ou seja, pode ser literalmente qualquer coisa. Alessio estava vigiando as áreas de deserto também. E se alguma coisa saiu de lá...

— Rafaela? — Vanessa chama.

Me viro para ela, que olha para a porta que dá para o saguão, onde a passagem nos véus fica.

Merda. Eu me esqueci completamente...

Eu não quero ter que escolher entre os dois. Não mesmo. Alessio é um amigo - se é que posso chamar assim, considerando o tanto que eu faço questão de me manter distante das pessoas. E Meje... Eu nem deveria me importar com ele. Se ele morresse, eu estaria livre do acordo também. Mas ele está lá porque eu pedi ajuda.

E foi Meje quem decidiu atravessar para o outro lado sem ter certeza do que ia encontrar. Ele sabia das possibilidades, também.

— Vou estar com o celular por perto — aviso. — Não adianta tentar mandar alguém dar recado, porque ninguém vai conseguir passar pelas minhas defesas.

Vanessa assente e Nero se desfaz em sombras de novo, desaparecendo por debaixo da porta.

Saio sem falar mais nada e praticamente corro para o meu carro.

***

N.A.: oi, o calor derreteu meu cérebro e não lembrei de postar de noite aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
sem brincadeira. eu to me sentindo numa panela de pressão. pqp

Fogo e Névoa (Entre os Véus 3) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now