QUATRO - Parte 2

133 33 1
                                    

Me sento de uma vez e olho pela janela. Já está escuro. Droga. Acho que dormi demais. Não. Eu não dormi, eu apaguei completamente, porque nem tirei os tênis. Pelo menos, parece que não aconteceu nada nesse tempo. Foram o que, umas três horas? Considerando como não tem nem um sinal de resto de luz do sol, talvez até mais.

Puxo meu cabelo para trás. Ele está completamente bagunçado depois de dormir no sofá, mas não tenho o menor ânimo para arrumar isso agora. Não preciso estar apresentável para ninguém.

O que preciso é ver como Marrein está. Não tem a menor chance de ela ter acordado - foi por isso que fiquei tão esgotada, porque precisei dividir meu poder com ela para seu corpo conseguir lutar contra os restos do que estava naquele espinho. Ela deve estar mais esgotada ainda, completamente apagada se fez o que acho e tentou forçar os ferimentos a cicatrizarem mais depressa.

Paro na entrada do corredor. Nem sinal de Meje, o que quer dizer que ele está no quintal. Ótimo. Bato de leve na porta do meu quarto e abro uma fresta quando não tenho resposta. Marrein ainda está do mesmo jeito que quando saí e não consigo sentir nenhum sinal daquele poder estranho. Perfeito. Ainda está cedo demais para eu pensar em conferir os curativos, mas não acho que ela vai demorar tanto assim para acordar.

Fecho a porta do quarto e continuo pelo corredor. A porta dos fundo está aberta, o que não é surpresa se Meje está lá fora. O que é surpresa é o brilho avermelhado do fogo. Os diabretes já deviam ter se cansado e deixado o fogo morrer a essa hora.

Alguma coisa bate no chão com um ruído grave e molhado.

Ah, não.

Corro para a porta dos fundos.

Eu não estou sentindo a ligação com Meje, não para valer. E também não estou sentindo minhas defesas.

Saio para o quintal em tempo de ver alguma coisa cair, logo do lado de fora das minhas defesas principais. Quatro pedaços de carne, ossos e sangue. Eu não consigo nem entender o que isso era. E não importa, porque é impossível qualquer tipo de criatura viva sobreviver ou se recompor depois disso.

Encaro Meje. Ele está parado no mesmo lugar e dessa vez não tem nem um resto da ilusão de aparência humana: sua pele é vermelha, de um tom escuro que é parecido demais com o tom quase vinho da minha pele, mas ele não tem nenhum vestígio de escamas. Nenhum dos príncipes demônios tem, mesmo que ainda tenham as pernas com uma articulação a mais e cascos no lugar dos pés. E chifres. No caso de Meje, dois pares deles, um se curvando logo acima das suas orelhas um pouco pontudas e o outro um pouco para trás.

Ele se vira devagar e me forço a continuar olhando ao redor. Demônios não costumam usar muita roupa, isso quando usam alguma coisa. Respiro fundo e continuo olhando ao redor. Tem mais corpos caídos no limite das minhas defesas. Se é que posso chamar isso de corpos, porque são... Pedaços. Só isso. E estão um pouco para a frente de onde o meu poder faz uma parede, como se Meje tivesse saído e...

Não como se. Ele saiu. Está lá fora. Ele passou entre as minhas defesas como se elas não estivessem aqui. Como? Porque da outra vez, quando ele me encontrou na hospedaria, Meje não conseguiu fazer isso. E não tem nada de diferentes nelas.

A ligação. Olho para ele de novo e respiro fundo de novo. Meje usou a ligação do acordo quebrado para conseguir manipular minhas defesas, ao mesmo tempo em que a usou para me bloquear e não deixar que eu notasse o que estava acontecendo.

— Você não tinha esse direito — falo.

Meje dá um passo na minha direção, voltando para dentro da área das minhas defesas. A ligação se abre de uma vez e consigo sentir tudo de novo - todas as minhas defesas, intocadas.

Fogo e Névoa (Entre os Véus 3) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now