CINCO - Parte 2

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Encaro o copo de vodca gelada na minha frente. Não sou fã, mas não acho que cerveja ia ser o suficiente agora. E, pelo visto, Sina concorda comigo, senão minha bebida não estaria gelada.

Acho que nunca quis tanto agradecer Vanessa por aquela regra de que hóspedes não têm permissão para entrar na cozinha, porque Meje continua parado na porta, olhando de relance para mim de tempos em tempos antes de se virar para o saguão, mas sem entrar. Ótimo. Isso quer dizer que tenho ao menos um pouco de distância, mesmo que isso seja só uma ilusão.

Marrein enche outro copo de vodca pura - e quando falo enche, é encher mesmo, até a boca - e dá um gole grande. Como ela consegue beber assim, sem ter nenhuma reação, é uma coisa que eu não entendo. Se eu der um gole desse vou no mínimo deixar bem claro que não gosto disso. Mas ela bebe como se fosse água e nem parece que seu copo está gelado.

— Eu não imaginei que fossem fechar uma passagem — ela fala. — Muito menos essa passagem.

Como se alguém fosse imaginar uma coisa dessas.

Tomo mais um gole de vodca e paro. Não. Não posso continuar bebendo, relaxar e acabar me distraindo. Preciso de foco, especialmente depois de tudo isso. Beber e tentar deixar para lá não vai ajudar. Não que tenha alguma forma de deixar isso para lá.

Até a sensação do casarão está diferente. Tem uma tensão no ar, algo como expectativa, mas não necessariamente bom. Aquela coisa leve que sempre senti aqui, mesmo quando a hospedaria ainda estava abandonada, desapareceu junto com a passagem.

Me recuso a aceitar que isso vai ficar assim e que não tem um jeito de voltar atrás. Eu nunca ouvi falar de uma passagem se fechando antes, não desse jeito. As únicas vezes que isso aconteceu foi um processo lento, ao longo de séculos. Não... Isso.

Marrein dá mais um daqueles goles que parece que está querendo virar o copo todo de uma vez. É incômodo até ver uma coisa dessas.

— Você já viu algo assim antes? — Pergunto.

Ela olha para mim.

— Não e preferia não ter visto.

Merda. Lá se vai a chance de uma resposta fácil.

Encaro o copo na minha frente de novo. Não vou beber mais, mas não nego que queria um jeito de relaxar. Sei lá, de não me preocupar e ficar com essa sensação de que estou me metendo onde não deveria.

Não.

Olho para Meje, que ainda está parado na porta da cozinha. E é óbvio que ele está me encarando. Eu não ia dar a sorte de olhar numa hora que ele estava virado para o saguão.

Mas ele é um ótimo lembrete de porque eu não estou me metendo onde não deveria. Estou no lugar certo, na hora certa. Fazendo o que preciso, por mais que isso não seja agradável.

Uma mancha escura aparece em um canto da cozinha. Me viro depressa, reunindo poder por um instante antes de relaxar quando Vanessa dá um passo na minha direção, balançando a cabeça. Nero aparece no lugar onde a mancha estava, de braços cruzados.

— Isso é um pouco assustador de se ver — resmungo.

Ou talvez eu só esteja nervosa demais, mas nunca tinha visto Nero aparecer transportando alguém assim. Só vi desaparecer, antes.

Ele dá uma risada baixa que não tem nada de humor.

— Assustador foi o que Vanessa estava tentando fazer. Obrigado.

Engulo em seco e assinto, encarando meu copo de novo.

Vanessa se vira para ele de uma vez e cruza os braços, também.

Fogo e Névoa (Entre os Véus 3) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now