Capítulo 29

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NÃO SE ESQUEÇA DE MIM

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NÃO SE ESQUEÇA DE MIM

— Ágata, preciso que crie uma plataforma em que eu possa ficar, bem aqui. — Aponto para um espaço embaixo da passarela e próximo de uma das aberturas. — Caio, você continua atirando nos olhos. Ágata, impeça as garras. Vamos ter pouco tempo até minha chama chegar ao sistema e explodi-lo por completo. Quando eu conseguir, avisarei e vocês correm para a porta.

— E você? — pergunta Ágata, boquiaberta. Essa é a parte em que não pensei. Abro a boca e torno a fechar, sem saber responder.

— Ágata pode construir uma escada até a sala — indica Caio, observando o local. — Já estudei a planta do prédio, tem um elevador lá que leva direto ao estacionamento.

Ágata parece ficar aliviada com a sugestão.

— Então é isso, vamos lá. — Ele bate palma e puxa a arma, recarrega, enquanto Agata se inclina na balaustrada e se concentra para criar primeiro a escada. Caio aproveita que ela está focada e toca meu ombro. — Desculpe!

Essa é a palavra que nunca imaginei que receberia dele, um pedido de desculpas. O encaro cético, acreditando que tudo se trata de uma grande piada.

— Eu não deveria ter dito aquelas coisas, estava bêbado, mas mesmo assim, não foi certo.

—Tá! — Desvio o olhar e assisto o trabalho de Ágata, incomodado.

— No rio, recebi uma mensagem da cuidadora do meu avô. Ele tem Alzheimer e é a única pessoa da minha família que mora aqui, no país. Ela me ligou porque ele tinha sumido. — Pigarreou, os olhos marejados, por um segundo me permito sentir empatia por ele, ou melhor, por seu avô. — Não pude ajudá-los, achei que seria uma missão fácil, então quando voltei Luís estava…

— Ele gosta de você — comento, para lhe consolar. A escada está pronta. Ágata finge estar alheia a esta conversa repentina e estranha e passa a trabalhar na plataforma.

— Ele me odeia! — discorda com tristeza.

— Ele pode voltar a gostar.

— Como?

— Não solte a mão dele. — Seus olhos se erguem e brilham, o rugido de Zeus o faz voltar a realidade e ele começa a disparar.

— Pronto! — avisa Agata, sentada no chão, ofegante.

— Obrigado —  respondo, me abaixando em sua frente e beijando sua testa.

A plataforma é um bloco preso à parede, com uma escadinha que vai da passarela até ele. Pulo a balaustrada e piso no primeiro degrau, dou um pulinho e confirmo que é resistente. Corro até a plataforma e quando chego nela me apoio na parede e encaro a abertura, como um duto de ar, do tamanho de minha cabeça. Enfio uma mão nele e sinto o gás roçar na ponta do dedo.

Os disparos de Caio cessam, ele recarrega de novo e volta à atividade. Produzo a chama e a lanço pela abertura, faço o mesmo com uma segunda, por precaução, então volto a subir e levanto Ágata.

— Vamos!

A seguro de um lado e Caio do outro, ele sobe a escada para a sala e Ágata se apoia em mim para subir, Caio a puxando lá de cima. Ponho um pé no degrau e espero Caio chamar o elevador, que se abre um segundo depois dele apertar o painel. Coloca Ágata lá dentro e fica na porta, impedindo que ela se feche.

— Vem! — chama, estendendo a mão.

Impulsiono o corpo para por o outro pé, mas não consigo. A explosão vem, e, como estou perto da abertura que enviei a chama, é essa a parte da passarela que cai primeiro.

— Mateus! — Eles gritam ao mesmo tempo, em desespero.

O concreto se rompe e cai, não deixando nada sob meus pés além das carícias maliciosas da gravidade. Seguro na balaustrada de ferro, que aguentou com mais firmeza, mas apenas com uma mão. Meu pé saiu da escada e não a alcanço de onde estou. Estico a outra mão ao máximo, mas está mais distante do que parece. O suorem minha mão a faz escorregar. Ágata tenta levantar e cai.

— Mateus!

— Leva ela! — peço para Caio, que escancara a boca e nega.  Meus olhos ardem e a única coisa que sei é: se eles continuarem aqui, me esperando, serão três túmulos. Posso reduzir esse número para um. — Sai daqui ele leva ela! — grito, implorando.

O concreto atingiu a perna de Zeus, que reluta para tirar. A explosão seguinte faz a balaustrada começar a se desprender e balançar de um lado para o outro, distanciando-me ainda mais da sala.

Conseguimos! — A voz de Jorge anuncia no plib de Caio. — Estamos no estacionamento, vai começar em dois minutos, saiam daí imediatamente….

A mensagem é interrompida por um ruído e minha mão escorrega ainda mais. O que me espera é uma superfície plana, molhada e letal. Não é o fim que quero, porém, existem algumas coisas na vida que estão além de nossas escolhas.

— Leva ela! — repito, quase rosnando e ao mesmo tempo com a voz embargada. Ágata não merecia assistir a isso.

Caio recua, em choque, segura Ágata, a abraçando e aprisionando o elevador, cuja as portas começam a se fechar, devagar. Vejo Ágata se debater e chorar e me chamar, e sinto uma lágrima cair em meu rosto.

Adeus, não  se esqueça de mim digo sem emitir som, o que só a faz soltar um suspiro alto e desesperado.  A porta do elevador se fecha, por fim.

A mão escorrega mais e não há mais nada para me segurar. Meu corpo começa a entrar em queda livre. Mais explosões acontecem e, olhando para Zeus uma única vez, percebo que o brilho vermelho de seus olhos se esvaiu e ele está sentado como um boneco, sem vida, emitindo um bip contínuo que marca a passagem dos segundos. Uma contagem regressiva para a autodestruição.

Lentamente eu despenco, junto da passarela. As luzes da sala, apesar das explosões, parecem estar mais fortes, me cegando e hipnotizando. Não há nada em que possa me segurar, nada que possa me parar, nada além da gravidade exercendo sua função com afinco. Fechos os olhos, sorrindo sem perceber e deixando outra lágrima descer em homenagem a todas as coisas que não pude fazer antes, como dizer a Jorge que quero tentar compreendê-lo e demonstrar que estou preparado para perdoá-lo; ou visitar o túmulo de Caíque e pedir desculpas mais uma vez.

O chão se aproxima por fim e não abro os olhos, e, para evitar ouvir o impacto — se é que posso escutá-lo. — canto minha música favorita mentalmente, La Belle De Jour e lembro da ave em cima do telhado da casa de minha mãe, em seu olhar curioso e intenso.  São meus últimos pensamentos.

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Capítulo curto.








Não, Mateus, nunca esquecerei você. Mateus é de longe meu personagem favorito, até agora. Desenvolvi uma relação de amor e ódio com essa personagem e fico imensamente feliz em dizer que o arco dele está completo e sua história finalmente acabou ( quase). Nos vemos no epílogo!

Completamente NaturalWhere stories live. Discover now