2: cuidado com o que você deseja

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harry


— Eu não devia ter concordado com isso.

Era o que eu repetia para mim mesmo por baixo da respiração pesada, esmagando as folhas secas com os tênis durante a corrida matinal.

O céu ainda estava escuro, não era nem seis da manhã e ali estava eu, como todos os dias, de todas as semanas, de todos os meses dos últimos quatro anos. Correndo na estrada de terra com tudo o que eu tinha, testando os meus limites.

Eu gostava daquilo. Gostava dos pulmões queimando, se alfinetando em busca de fôlego. Gostava da sensação quente que descia por meu abdômen, da tensão nas pernas e o suor molhando o meu corpo.

Era quando eu lembrava que não era uma máquina, não era um robô vivendo todos os dias como se fossem iguais. Eu era humano. Tinha um peito batendo em brasas e sangue quente correndo nas veias.

Era o momento do dia em que eu me sentia mais vivo, talvez fosse o único.

Rolei os olhos para mim mesmo, irritado com o meu próprio drama. Mas decidi por não me cobrar tanto. Aquela era a única atividade da minha antiga vida que eu mantinha. Era o momento em que me sentia o velho Harry, por mais que não merecesse. Mas durante a corrida matinal, eu não precisava fingir, não precisava mentir, era apenas eu.

Um cara normal de 22 anos.

A sensação era conflitante dentro de mim. Por um lado, eu odiava o antigo Harry. Tinha matado tudo o que ele gostava, quebrado todos os laços da sua antiga vida, ferrado com todas as relações que ele tinha. Por outro, secretamente eu mantinha aquela atividade, a corrida, apenas como um refúgio para não enlouquecer de vez.

Tudo o que eu tinha da minha antiga vida era a corrida... e Niall.

Apertei os dentes, irritado.

— Eu não devia ter concordado com isso!

Não devia ter aceito o convite que ele fazia todo ano, de vir passar as férias na fazenda. Eu tinha negado no ano passado, no anterior e assim por diante. Por que tinha aceito dessa vez? O que mudou?

A estúpida solidão, foi isso que aconteceu.

Eu não tinha o direito de me sentir sozinho. Tinha que me manter ocupado ali, na fazenda, cuidando dela com tudo o que eu tinha. Esse era o meu dever.

Mas depois de tanto tempo, eu fraquejei. Aceitei a maldita oferta de receber um bando de universitários mimados durante todo o verão.

Frustrado, apertei mais o ritmo sem ao menos me dar conta, passando pelas porteiras da fazenda. Parei ofegante em frente à porta, sentindo o peito bater desesperado, vivo. Passei as mãos por meus fios úmidos de suor e passei os olhos pelas árvores do terreno, respirando fundo e aproveitando meus últimos instantes de liberdade.

Com os primeiros raios de sol que surgiam no horizonte, a minha máscara de sempre também foi colocada no lugar. Mais um dia na fazenda havia começado e a minha rotina tinha que continuar.

Engoli em seco, apertei meus punhos fechados e finalmente entrei na casa.

Eu a ouvi antes de colocar os olhos nela.

No fim do corredor, na janela dos fundos, uma garota de cabelos ruivos estava debruçada, soando absurdamente rabugenta.

— Olha aqui, sua galinha estúpida! Eu juro que se você não calar a droga do bico eu mesma te depeno e como no jantar! – disse entre os dentes, apontando para o pobre animal.

Fuck Me [HS]Where stories live. Discover now