Capítulo VI

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F L A S H B A C K

UMA SEMANA ATRÁS


UM PASSO ELEGANTE ATRÁS do outro, April Wright desceu a escadaria de mármore. Queixo erguido, ombros retos e pés tão leves que mal tocavam o chão. Ninguém imaginaria que uma menina com aquela postura e graça havia acabado de fugir de um salão de festas. Assim que chegou ao fim do corrimão, sua atuação foi por água abaixo junto com seu penteado. Ela soltou os cabelos castanhos e os ajeitou com as mãos da melhor maneira possível, tentando aliviar a dor de cabeça. Simplesmente odiava tê-los presos.

Não importava quantos elogios a menina tivesse ouvido naquela noite, ela ainda se sentia como uma tola em um vestido de festa. Tudo que April queria era limpar qualquer vestígio de maquiagem do rosto, se enrolar nos edredons grossos de sua cama e dormir até o dia seguinte. Mas não era tão simples. Por mais que a sensação de não pertencer àquele lugar falasse alto, April não poderia se dar ao luxo de perder a compostura. Sua mãe contava com ela para tal.

Nos dias que antecederam o evento, Paige Wright presenteou a filha com um vestido novo e um par de saltos comprados especialmente para a ocasião. Segundo a matriarca, era importante que os Wright estivessem impecáveis naquela festa — havia especulações a respeito dos Wright circulando por aí, e não eram poucas. Todos os olhos do salão estariam voltados para a família que por muita sorte escapara das garras da pobreza. Certamente, não seria April quem daria a eles o que falar.

Um limpar de garganta interrompeu seus pensamentos. Era uma recepcionista. Ela observava April por trás do alto balcão de madeira, apenas seu rosto rechonchudo de fora.

— Senhorita Wright? — a mulher perguntou hesitante — Precisa de algo?

A menina constantemente se esquecia que havia se tornado uma figura conhecida graças a sua família. Sem dúvidas o sobrenome Wright vinha a tona nas piores horas possíveis.

Pelo olhar no rosto da recepcionista, ela tinha presenciado seu pequeno momento aos pés da escada. Até o homem encarregado de abrir a porta a encarava preocupado, esperando alguma reação da jovem. April olhou ao redor para ganhar tempo, sentindo um caroço se formar em sua garganta. Precisaria respirar fundo se quisesse tomar as rédeas da situação.

— A festa é lá em cima — a moça acrescentou com um sorriso cortês.

— Obrigada — April agradeceu sem saber porquê — Mas vou me retirar agora.

Seu coração batia forte como se quisesse abrir caminho para fora de seu peito. O que era para ser apenas um momento longe dos olhares havia se tornado algo mais. A oportunidade só ficou clara quando surgiu: April tinha o direito de abandonar a festa sem se esgueirar pelas janelas como uma fugitiva. Ela não estava fazendo nada de errado. Certo?

— Pois não, espere um minuto. Eu chamarei seu motorista.

A menina sorriu para a gentileza, tentando esconder o medo de ser pega pelo senhor Caulder. A lealdade do motorista estava com seus pais e naturalmente o homem contaria tudo para eles na primeira oportunidade.

— Não, não. Prefiro andar. Eu preciso dar uma caminhada.

A resposta pareceu deixar os dois funcionários ainda mais desconfortáveis.

— Tudo bem... — os lábios da mulher se franziram. Definitivamente aquilo não estava previsto no manual — Vou chamar um táxi, então. Pode aguardar lá fora.

— Seria ótimo.

April se dirigiu à saída, e a recepcionista se voltou ao telefone com um pequeno sorriso cúmplice no rosto.

BULLSHITWhere stories live. Discover now