Capítulo XXII [PARTE UM]

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A P R I L


O DIA SEGUINTE NÃO COMEÇOU da maneira que eu havia planejado. Mal lembrava de como havia começado, para falar a verdade. Minha mente amanhecera enevoada, envolvida pela mesma letargia febril que acometera meus sentidos. O gosto em minha boca era especialmente ruim, um suor viscoso cobria minha pele e calafrios atravessavam meu corpo de tempos em tempos.

Não era tão grave quanto eu fazia parecer, mas, sim, eu estava doente.

Mamãe disse que ontem a noite, quando não desci para o jantar, ela assumiu que eu precisava de um tempo sozinha. Horas depois, ao bater na minha porta para desejar boa noite, ela me encontrou deitada sobre lençóis amassados, rodeada de livros, marca textos coloridos e folhas de resumo — devia ter caído no sono enquanto estudava química. Segundo Paige, minhas bochechas estavam rosadas como as de um bebê e, debaixo de sua palma, minha pele ardia quente — sinais claros de que meu corpo lutava contra uma doença. Dito e feito: na hora do café, minha febre estava alta demais para ir à escola.

O remédio poderia estar fazendo efeito aos poucos, mas até olhar para a tela do celular mexia com minha dor de cabeça. Estudar, então, estava fora de cogitação. Havia me tornado uma moribunda: não conseguia fazer nada além de fechar os olhos e enviar ordens para meus glóbulos brancos trabalharem mais rápido.

O relógio marcava apenas dez da manhã quando Greta entrou pela porta segurando vários cabides em uma mão só. Ela se movia com tanta graciosidade que poderia muito bem estar segurando uma bandeja de porcelanas.

— Bom dia, Greta — minha voz sonolenta arranhou minha garganta.

— Bom dia, senhorita April — a senhora de cabelos brancos sorriu amável ao perceber que tinha companhia. Ela se aproximou das janelas e afastou as cortinas pesadas, permitindo que a luz tímida do dia nublado vazasse para dentro do quarto. Pequenas partículas de poeira se agitaram no ar em um turbilhão de movimento, pairando sobre minha cabeça. Eu costumava adorar isso quando criança.

— Greta — adverti, mesmo deitada — Onde está a Emma?

Greta trabalhava como governanta naquela residência antes mesmo de nos mudarmos. Ela e o mordomo, Caulder, nunca saíram — nem mesmo depois da morte dos antigos patrões e da venda da propriedade. Quando comprou o imóvel, papai não gostou da ideia de ter empregados vivendo conosco, ele odiava ter sua privacidade violada, mas no fim se conformou a pedido da minha mãe. Greta, como eles descobriram, não tinha para onde ir e não tinha planos de se aposentar — por isso, a única saída foi contratar Emma para ajudá-la.

— Trabalhando, assim como eu — ela me lançou um olhar severo — São cabides. A inválida aqui é você.

Fiz menção de levantar da cama para ajudá-la, mas Greta se virou para mim bem a tempo de me impedir.

— Nem pense nisso! — ela se apressou a vir em minha direção, depositando as roupas passadas sobre uma cadeira — Está doente. Deve repousar.

Suas mãos delicadas empurraram meus ombros de volta para o travesseiro e eu me surpreendi com a firmeza em seu toque. Ela era mais forte do que aparentava ser. Greta rearranjou os travesseiros atrás de mim e, conformada, eu recostei sobre a superfície fofa. O simples movimento fez uma pontada de dor atravessar meu crânio.

— É só uma febre — rebati. — Já tomei remédio.

— Então, descanse! — a mais velha me deu as costas, recolhendo os cabides — Isso é para a senhorita aprender a não sair do banho quente sem se agasalhar. E nada mais de sair de casa no meio de um temporal sem guarda chuva! Onde já se viu?

BULLSHITDär berättelser lever. Upptäck nu