Eles nunca foram embora...
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Não era de espantar o fato d'eu estar naquele clima de ausência. E você sabe bem quando isso começou. Eu amava fazer o que eu fazia. Estar com as pessoas e ajudá-las me era a própria vida. Mas, nem sempre consigo fazer diferença de forma positiva na vida de alguém e isso pesa mais do que qualquer espírito de mau agouro nos ombros.
– Ai Jadir, por que você escolheu esse filme para assistir?
Recostada em mim, Flávia não desviava os olhos da tela de cinema, mas seu medo era transparente.
– Sei lá – aliviei a voz. – Achei que era um romance do tipo de Ghost.
Não, não era! Estávamos assistindo um filme de terror daqueles. E eu sabia, é claro. O bom de estarmos no cinema e assistindo tais películas assombrosas é que eu poderia ficar aleatório sem que ficassem me questionando a respeito. Além das cenas sempre muito escuras, a adrenalina do suspense era tamanha que se tornava quase impossível desviar o olhar. Sem qualquer atenção assim eu quase poderia ser eu mesmo... Mas, afinal, quem sou eu de verdade? Você sabe quem você é? Sabe quem você foi?
***
Desde a infância eu tenho aquele sentimento em mim: se eu puder fazer alguém sorrir, eu tenho que fazer; senão não conseguirei conviver comigo mesmo por esse pesar; e isso exigia alguns sacrifícios em determinados momentos. Bem, talvez eu não seja o único na face da terra a ser assim...
Foi assim que em um dia qualquer...
– Aí Victória, já pensou em dar aulas de alguma coisa que você goste? Não sei... Maquiagem para palhaços, por exemplo.
– Ai, como você é engraçado – forjou desdém. – Mas, não... Como eu faria isso? Não tenho lá muitos conhecidos que poderiam se interessar.
– E música? – Falei de supetão, olhando para o piano da sala. – Além de ter vários conhecidos no meio, posso indicar algumas pessoas também. Dizem que a música é uma excelente terapia...
Victória pareceu ponderar o assunto, mas logo o leve semblante de ânimo foi cerrado, e falou:
– Eu não sei, Jadir... Eu ainda...
– Mulher, eu sei o que você tem passado e o quanto tem chorado – cortei-a, firmando a voz. – Sei das suas limitações físicas e até as emocionais.
Ela tentou me interromper, mas não deixei e prossegui:
– Helena só quer saber de viajar... Também, se eu tivesse recebido o que você deu a ela pela casa, eu estaria fazendo o mesmo pelo resto da vida e acompanhado, é claro – divaguei. – Mas, enfim. Dona Ciça, sua matrona, não poderá cuidar de você por muito mais tempo, pois o marido já está em idade avançada e precisa dela. A Angélica, filha deles, em breve vai partir para a própria vida e não poderá seguir como sua babá para sempre.
Respirei fundo, sem nem olhar para Victória, e continuei:
– Você sabe que o Daniel tem que continuar com a carreira, senão ele morrerá aos poucos de frustração. E o fato de você continuar com o ar de dependente total não ajuda muito não...
– Jadir, para – falou baixo e tremulante. – Você não entende...
Olhei-a bem nos olhos e falei, sério:
– Posso não saber tudo, mas eu sei que você não pode continuar sendo egoísta. Você precisa se ajudar, para poder aliviar a sobrecarga daqueles que gostam de você de verdade.
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SUAS CONSEQUÊNCIAS EM MIM - Spin-Off Trilogia dos Irmãos Amâncio
General FictionEstar disposto a auxiliar os que precisam parece ser um legado que Jadir carrega desde que decidira se empenhar pelos pais. Por assim sendo, decidiu se dedicar na área da saúde. Ainda enquanto estudante de fisioterapia conheceu os "irmãos Amâncio"...