Capítulo 23

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JENNIE

Um ano antes

— Sabe o que é Rede Drummond? — perguntei.

Min estava na sala do apartamento dele, corrigindo provas enquanto eu lia meus e-mails na cozinha.

— Hum?

— Está na fatura do seu cartão de crédito, cento e noventa e dois dólares. Todos os outros gastos eu reconheço.

Ele olhou para mim.

— Por que está vendo a fatura do meu cartão?

— Porque eles mandam para o meu e-mail. Lembra que há alguns meses eu recebi um comunicado do Bank informando que as faturas não seriam mais impressas, que
você teria que solicitar o envio pelo correio se não selecionasse opção eletrônica? Você pediu para usar meu e-mail, porque o seu é do trabalho e tudo acaba indo para o lixo
eletrônico.

— Pensei que estivesse falando da fatura da nossa conta conjunta.

— Não, é do seu cartão de crédito.

— Há quanto tempo você recebe por e-mail?

— Há uns dois meses, acho. Em geral nem tem movimentação. Você quase não usa o cartão. No mês passado, a fatura veio zerada.

A expressão dele me incomodou.

— Algum problema? — perguntei. — Não quer que eu veja seus gastos?

Ele jogou a caneta em cima da pilha de provas e desviou o olhar.

— É claro que não. Só não sabia que não receberia mais a fatura impressa.

— Entendi… E você sabe que cobrança é essa, da Rede Drummond?

— Nem imagino. Só usei o cartão para pagar o jantar no Alfredo’s quando estivemos lá há algumas semanas. Deve ser algum engano. Vou acessar a conta on-line mais tarde e
contestar.

— Quer que eu faça isso? Já estou on-line.

— Não, tudo bem. Eu resolvo.

Alguma coisa não encaixava. Mas deixei passar; afinal, ele e eu já tínhamos brigado algumas vezes nos últimos meses por desconfianças. Teve a vez em que vi uma
mensagem estranha no celular dele e outra vez quando ele disse que ia para o escritório dele na faculdade corrigir provas, coisa que em geral fazia de casa.

Decidi surpreendê-lo com o almoço, porque ele estava trabalhando demais, e não o
encontrei lá. E recentemente ele começou a chegar em casa cheirando a perfume e ficou na defensiva quando perguntei o motivo, gritando que, se eu não deixasse o apartamento inteiro sempre cheirando a perfume das amostras de uma empresa que nem existia, as roupas dele não teriam aquele cheiro de puteiro barato.

Como eu sempre contava para ele o resumo dos diários que lia, ele sabia que a mulher do diário atual traía a esposa e me convenceu de que eu estava vendo coisa onde não havia
porque sempre ficava ridiculamente envolvida com as histórias.

Mesmo hoje eu me pergunto se ele não estava certo. Na semana passada, li uma parte do diário na qual Mieyon escreveu sobre a esposa ter questionado uma cobrança na fatura de seu cartão de crédito. Ela havia reservado um quarto de hotel para um encontro com Jasper, e ele pagou em
dinheiro quando entraram.

Mas o hotel cometeu um erro e cobrou duas vezes. Então, atribuí minha paranoia ao alerta de Min. Não era diferente de assistir a um filme de terror e depois conferir embaixo da cama antes de me deitar. O estresse do que ocupa seus pensamentos faz o cérebro acessar cantos que normalmente não acessaria.

— Tudo bem — falei. — Acho que você pode só pagar o valor da conta do restaurante, então. É mais que o pagamento mínimo, de qualquer maneira.

— Certo. — Ele voltou a corrigir provas. Mas, um minuto depois, disse: — Acho que vou cancelar a fatura eletrônica e pedir o envio pelo correio. Gosto de ter as cópias para declarar o imposto, porque às vezes compro coisas para trabalhar.

Por que isso me incomodava? O argumento fazia sentido. Eu estava procurando monstros embaixo da cama e precisava
parar.

— Ok.

Um mês depois, a história do cartão de crédito estava esquecida. Ele e eu tínhamos voltado para casa depois de encontrarmos um colega dele do trabalho em um bar, e eu ia dormir no apartamento dele. Quando entramos no prédio, peguei a correspondência. A fatura do Bank estava
no meio da pilha.

Deixei a correspondência em cima da mesa, mas segurei esse envelope.

— Como ficou a história com o Bank?

Ele viu a fatura e a pegou.

— Tudo certo. Eles cancelaram a cobrança. — E guardou o envelope no bolso interno do paletó. Mais uma vez, não entendi por que me incomodava com o modo como ele pegou o envelope. Mas me incomodei. Min foi para o quarto dele.

— Vou tomar um banho rápido.

— Tudo bem.

Enquanto ele estava no banheiro, peguei uma taça de merlot e tentei não pensar mais no assunto. Apesar de naquela semana ter lido um trecho inteiro sobre como a esposa de Mieyon era burra e crédula. Ela parecia se
divertir quando quase era pega e conseguia escapar…

Eu sabia que, provavelmente, não tinha nada a ver. Mas, no mês passado, fiquei metade da noite acordada depois que aquela bobagem do cartão de crédito me importunou. Min
não precisaria saber se eu acessasse a conta dele para espiar a fatura on-line. E, depois disso, finalmente eu encerraria esse
assunto de uma vez por todas.

Mas… eu estaria violando sua confiança se espiasse, mesmo que ele não soubesse. Então, enquanto tentava me convencer a não fazer o que eu tanto queria fazer, fui para o
quarto trocar de roupa. Abri a gaveta dele para pegar uma camiseta velha e joguei o jeans e a blusa em uma cadeira no canto.

Quando me virei para voltar à sala, o paletó dele chamou minha atenção no closet, cuja porta estava aberta. Ouvi o chuveiro ligado na suíte e fui pegar o paletó. Mas, em
vez de procurar a fatura do cartão, aproximei o paletó do nariz e cheirei. Meu olfato foi invadido pelo aroma inconfundível de jasmim.

Jasmim não fazia parte das amostras que eu mantinha em casa para a Signature Scent.
Ultimamente eu nem trabalhava com essa fragrância. De repente, tudo ficou muito quieto, e levei um minuto para me dar conta de que o chuveiro tinha sido desligado.

Merda.

Pendurei o paletó depressa no closet e saí do quarto. O pânico me invadiu. Eu não conseguiria dormir com essa sensação, de jeito nenhum, nem seria capaz de ficar deitada ao lado dele e fingir que estava tudo bem.

A questão não era mais se eu violaria sua confiança acessando a fatura digital. Era que eu precisava disso para preservar minha
sanidade. Meus dedos tremiam quando abri o navegador do celular. A porcaria levou uma eternidade para carregar, e a cada dois
segundos eu encarava a porta entreaberta do quarto.

Quando finalmente abriu, desci a tela até a fatura atual. O alívio me invadiu quando vi que não havia nenhuma cobrança. Cheia de
culpa, estava levantando o dedo para fechar o navegador quando vi que na seção de pagamentos o valor de duzentos e sessenta e um dólares. Imaginei que fosse só um crédito concedido para ressarcir aquela cobrança incorreta, mas, como a sensação incômoda estava de volta, cliquei para verificar.

E congelei quando vi que era um pagamento comum feito semanas antes, de uma conta bancária cujo número terminava em 588. Senti minha pressão baixar. Era a conta
corrente dele.

Devia haver algum engano. Cliquei na aba de contestações. Nenhuma nos últimos noventa dias. Apavorada e perdida, fechei a página e fiz o que devia ter feito um mês antes. Joguei
no Google o nome Rede Drummond.

O resultado fez meu coração pular para a garganta. A Drummond é uma rede de quatro hotéis-butique em Seul.

A Cinderela - Jenlisa (G!P)Where stories live. Discover now