[1] O DILEMA DOS EVENTOS ACADÊMICOS

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SILENCIAMENTO:

"É quando você é calada por alguém, geralmente por um homem, dentro da militância. Existem várias formas de silenciamento: você pode se sentir inibida, pode ser literalmente calada, pode não encontrar espaço para falar, mas o resultado é sempre o mesmo, ou seja, você não fala e alguém fala no seu lugar, sobre a sua luta." 

— Eu acho que você deveria vir –  minha amiga diz, na porta do meu quarto, naquela tarde nada gloriosa e de muito calor nesse pequeno ponto do inferno chamado Ponte Belo

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— Eu acho que você deveria vir – minha amiga diz, na porta do meu quarto, naquela tarde nada gloriosa e de muito calor nesse pequeno ponto do inferno chamado Ponte Belo. Não me levem a mal, eu até gosto da cidade. Mas não quando a cidade está pegando fogo. Não literalmente. Mas quase. Tenho certeza de que mais alguns minutos nessa temperatura, que nem Lúcifer suportaria, todos os habitantes daqui sofreriam de combustão espontânea. Não que fosse algo, assim, muito ruim pra sociedade. Ponte Belo era um lugar não só branco, mas esbranquiçado. E, cara, você pode chamar isso do que quiser, mas para mim é insuportável. Quase tão insuportável quanto esse calor absurdo.

— Eu não posso tirar uma folga? – resmungo, deitada ao lado do meu ventilador, com o livro enfiado no rosto, o que, na minha terra, era uma mensagem explícita para: não me pertube, porra. Mas claro que isso não funcionava com Catarina. Quando é que mensagens para ela calar a boca e me deixar em paz funcionava, afinal?

Certo, de novo, não me levem a mal. Eu adoro Catarina. Ela foi a primeira amiga que fiz nessa cidade e essas coisas, quando você é calouro, não se esquecia com facilidade. Mas não vou dizer que é fácil ser amiga dela, porque não é. Não que seja fácil ser minha amiga também.

E esse não era o ponto relevante do aparecimento repentino, e sem bater na porta, da minha amiga.

— Talvez seja legal.

— Legal – repito, fazendo uma careta – Um evento que se autodeclare feminista e coloca um homem pra falar pode até receber muitos adjetivos, Cat, mas, com certeza, não é legal.

— Existem homens legais no planeta.

— Tenho certeza de que sim – aproximo ainda mais o livro do meu rosto, para ver se daquela vez Catarina entenderia que eu não queria papo. Eu só queria curtir a minha vontade de morrer naquele calor insuportável, era algum tipo de crime?

— Olha, Ká, sinceramente....

— Nada do que você diz depois do sinceramente pode ser bom – resmungo.

— Por que você não dá chances para os outros grupos feministas que existem na faculdade? Eles podem ser legais. Certo?

— Hm, deixa eu ver... porque o movimento que eu faço parte já me dá muito trabalho, talvez?

Catarina revira os olhos, mexendo nos seus cabelos incrivelmente lisos. Não tinha ideia de quanto tempo Cat gastava para manter seus cachos tão sem vida naquele jeito escorrido, mas, de um modo estranho, ela gostava.

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