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Por mais que tentasse, Nathan não conseguiu achar um motivo para reclamar. Como se toda a insatisfação que estivesse sentindo antes tivesse desaparecido totalmente. Era a primeira vez em semanas que isso acontecia.

Miguel não soltou o pulso dele, e os dois andavam bem juntos, um ao lado do outro, conversando baixinho e de forma natural, sem muitas dificuldades para criar e desenvolver um assunto.

O Matagal lembrava muito um parque florestal com terreno demais e cuidado de menos. Até mesmo os prédios eram mal construídos e todos velhos, sem previsão de construírem novos pelos os próximos cinco anos – principalmente com o corte de verbas no ensino que o país estava passando. E, ironicamente, o Matagal era a área que tinha o maior número de cursos, fazendo com que a guerra de espaço fosse o maior problema da área.

Nathan ignorou as pessoas que lhe conheciam, apenas dando um oi rápido que não abria espaço para conversa, tentando ficar perto o suficiente de Miguel para esconder o jeito que se tocavam e não atrair mais atenção negativa – como ele havia descoberto que era o seu talento – como a de Caio. As pessoas que lhe conheciam eram, geralmente, babacas como Caio.

Nunca passou pela a sua cabeça se afastar e deixar de tocar Miguel. Seria, obviamente, a solução mais fácil, mas Nathan a ignorou a enterrando no fundo da mente.

Os dois conseguiram, mesmo que com certa dificuldade, atravessar o Matagal sem serem questionados por ninguém. Chegaram ao bloco de prédios da Zootecnia, ou Bloco Z, como era chamado.

"Então o seu amigo estuda Zootecnia?"

"Não, o irmão mais velho dele é professor."

"Ah." Miguel piscou. "Tipo efetivado?"

"Yep."

"Mas o que ele 'tá fazendo aqui de tão importante que precisava de uma carona?"

Antes de Nathan conseguir responder – e pistolar sobre Roger e o seu jeito de fudido - os dois ouviram uma conversa que era, assim, no mínimo estranha:

"Ele é tão lindo! Qual o nome do seu amigo?"

"Nathan--" Nathan interrompeu Miguel no meio da fala, colocando a mão na sua boca e o puxando para trás, para que não fosse visto por quem conversava na frente deles.

Após se esconderem, Nathan pode ouvir claramente a voz de Roger gritar:

"SEGURA O MEU PINTO!"

Uau.

Que sútil.

Nathan olhou de novo, arriscando-se a ser visto, inclinando o tronco e se apoiando parcialmente em uma pilastra e uma parede, e Miguel fez a mesma coisa, tão chocado e confuso com a situação repentina quanto Nathan.

Nathan viu Roger à frente de Mônica, a Mônica amiga de Miguel, deixando o pintinho em suas mãos cair por conta do curto circuito que sentiu ao perceber que estava conhecendo a sua alma gêmea quando ouviu a primeira frase que saiu da boca de Mônica.

Não existe um palavrão intenso o suficiente para explicar o momento. Por enquanto, o puta merda vai ter que bastar.

O pintinho felizmente não encontrou o chão, pois Mônica o segurou antes como Roger pediu. E os dois se encararam, o pintinho piando loucamente entre eles, naquele corredor sujo do lado de fora do prédio principal de Zootecnia.

Não parecia muito um encontro de alma gêmea de novela.

Então, repentinamente, Mônica quebrou o momento de puro choque e confusão ao dar um passo à frente e abraçar Roger pelo o pescoço, surpreendendo-o e quase o derrubando.

"Ah! Que alívio te conhecer!" ela exclamou em pura felicidade, tendo cuidado em não esmagar o pintinho com sérias dificuldades em continuar vivo nessa cena.

"Por que você não me abraçou assim quando a gente se conheceu?" Nathan acabou pensando alto sem reais intenções por trás.

Porém, quando olhou para Miguel, percebeu que realmente era horrível com as palavras e deveria aprender a ficar quietinho.

"Você! Eu não acredito nisso!" Miguel gritava baixinho. Literalmente. "Primeiro, como diabos no mundo o seu amigo é a alma gêmea da minha amiga? E segundo, você tem ideia do que a Mônica passou com a marca dela?"

"Hã... Hãã... Eu acho que a resposta é não para as duas perguntas. Não, mentira, as duas são não sei, na verdade. E... Eu estou falando demais e nada que me ajude."

E Miguel não estava feliz.

"Sim, você está." suspirou, como se estivesse tentando se acalmar pela a respiração antes que batesse em Nathan. "A Mô passou a vida inteira dela pensando que a alma gêmea dela era algum tipo de estuprador e pedófilo."

"Nossa."

"Pois é, é isso que ter uma palavra tão vulgar como uma genital no pulso faz com uma criança." Miguel cruzou os braços, quase rosnando.

"Mas o que rolou com Roger não tinha nada a ver com isso...."

"Pois é! Mas já o meu foi diferente, né?"

Aaaaaaaaaah. Finalmente, Nathan entendeu por que Miguel ficou tão bravo: Não só pela a coincidência idiota e mais que conveniente, mas também pelo o fato de que enquanto Miguel e Nathan eram almas gêmeas desastrosas que já começaram errado, Roger e Mônica ganharam paz de espírito ao se conhecerem e entenderem suas marcas.

As marcas de Roger e Mônica eram um engano cômico e bonitinho. As marcas de Nathan e Miguel eram um engano idiota que estragou a vida deles sem nenhum motivo a não ser o fato de que Nathan era babaca e não pensava antes de falar.

"Eu não... Eu não..."

Miguel arqueou a sobrancelha para o que Nathan tentava dizer. Nathan acabou fechando a boca, notando que era melhor ficar quieto. Esse acontecimento era tão raro e especial que só acontecia a cada lua azul.

Miguel revirou os olhos depois do instante de silêncio.

"Tanto faz. Não vamos ter essa discussão que não leva à lugar nenhum." bufou. "Eu acho que você não vai mais precisar dar carona 'pro seu amigo. Conhecendo a Mô, ela vai oferecer carona para ele."

"Eu não acho que--"

Nathan foi cortado mais uma vez por seu celular vibrando no bolso de forma insistente. Jurava que não havia o colocado no modo silencioso, mas tudo bem.

Quando o pegou para acalmar a fera vibradora, viu centenas de mensagens de Roger em pouco tempo dizendo exatamente o que Miguel acabara de falar: Que ele não precisava mais de carona e que estava surtando, mas que iria explicar tudo depois.

Ah, e mandou Nathan aproveitar o encontro com uma pitada extra forte de ironia marcada pelos as quatro figurinhas que mandou em sequência.

Miguel só o olhava.

"Por acaso esse foi o seu amigo?"

Nathan conseguiu apenas movimentar a cabeça o suficiente para assentir, sem coragem para falar.

"E por acaso ele já tinha carona?"

Nathan demorou mais dessa vez, mas ele acabou assentindo, vencido por Miguel. O garoto assentiu, satisfeito.

"Ah tá." soou o mais irônico possível. Nathan respirou fundo, praticamente sem reação. "Você não vem?" Miguel não o deixou fugir, olhando-o por cima do ombro.

"Claro que eu vou." Nathan grunhiu, mostrando as chaves do seu carro. 

Peixes Fora do Aquário (✔)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora