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As conversas engataram naturalmente durante o almoço, agora com os pais de Miguel envolvidos. Realmente, ambos eram liberais e despreocupados, sem questionar o que Nathan e Miguel eram um do outro, agindo de forma educada e divertida por todo o almoço.

Era impossível para Nathan não se sentir confortável na casa de Miguel.

Nathan não conhecia adjetivos positivos o suficiente para descrever a comida. Não conseguia parar de comer, e isso na verdade rendeu pontos com a família.

Enquanto conversavam, Nathan aprendeu que Luna e Cecília eram almas gêmeas ativistas, participavam dos mesmos grupos de militância que Miguel, e que Luna também estudou na escola de música voluntária – o fato de Miguel ter levado Nathan lá foi um assunto eufórico por um bom tempo entre a mesa.

Luna aprendeu a tocar bateria, mas diferente de Miguel que seguiu com a Música, ela se formou em Letras e atualmente trabalhava como professora enquanto Cecília terminava a faculdade de Psicologia. Elas se conheceram em um protesto e não tão surpreendentemente assim as primeiras frases que trocaram foram:

Ei, você, 'bora socar nazistas?

Só se for agora!

Realmente, a questão política de Miguel era de família. E que ali todos estavam acostumados com frases de almas gêmeas bizarras, completamente diferente da família de Nathan. Seus pais possuíam marcas fáceis de se identificar, se acharam facilmente e construíram uma vida sólida juntos de forma mais fácil ainda.

Nathan sempre foi a maior dificuldade.

Marina e Ícaro eram almas gêmeas que se conheciam desde a infância, quando Abuelita Joan se mudou com seus quatro filhos para uma periferia com outros imigrantes falantes de espanhol, muito antes da adoção de Luna.

Marina e Tiana eram as filhas mais velhas que se aproximaram da família da casa ao lado, uma terceira geração de cubanos que sabiam falar português brasileiro e decidiram ajudar Joan e os filhos a aprenderem também.

Essa era a família de Ícaro e, como Nathan descobriu depois, Raul. Irmãos da mesma idade de Marina e Tiana que eram, respectivamente, a alma gêmea de cada uma.

As frases de Ícaro e Marina eram ambas em espanhol, e Nathan não evitou achar tudo entre os dois muito adorável. Pois a primeira coisa que saiu da boca de Ícaro ainda criança ao ver Marina foi:

Si yo fuese mar y ustedes fueses roca, haría subir la marea para besar tu boca.

¿ Te golpeaste la cabeza, cabrón?

A resposta de Marina deveria ser patenteado como a melhor marca de alma gêmea de todas, em espanhol ou português.

Aprendeu também que Ícaro era um supervisor de uma empresa de telecomunicações, enquanto Marina era uma das chefes de uma agência de assessoria grande, além dos bicos que fazia como designer gráfica e pintora. Ela pintou boa parte dos quadros na casa, inclusive o que mais fascinou Nathan.

Enquanto Ícaro e Marina se apaixonaram à primeira vista, mesmo com a cantada terrível, Tiana e Raul não ganharam a mesma sorte. Eles tentaram durante a vida inteira, casando e tendo os gêmeos, mas acabaram não funcionando no final, como pode acontecer às vezes.

Almas gêmeas não é algo concreto. Pode ou não pode dar certo, só depende das pessoas.

Agora devidamente divorciados, Raul e Tiana possuíam uma relação amigável por conta dos filhos. Mas Nathan entendeu que era sempre desconfortável quando precisavam interagir como uma família, como na festa de amanhã na chácara.

Ele também aprendeu que a alma gêmea de Abuelita Joan, Abuelito Miguel, morreu há dois anos. Ele não era, na realidade, pai biológico de todos os filhos. A conheceu quando Joan veio para o Brasil e se apaixonou tão intensamente que não poderia fazer menos do que participar de todas as fases da vida dela com as crianças.

Então, Abuelito Miguel foi pai e avô de todos que criou com amor e carinho. Na casa de Abuelita Joan existe um cantinho especial para ele como as famílias tradicionais costumam fazer no México, e no Dia de Los Muertos, os familiares se reuniam na casa de Joan e faziam uma festa em homenagem ao Abuelito Miguel.

Acima de todas as histórias, Nathan aprendeu que eles se amavam e se respeitavam muito. Todos se conheciam muito bem e só queriam o bem um do outro.

Guardavam os que haviam partido com o mesmo amor e carinho que guardavam os vivos, sem dificuldades em citar os nomes e falar sobre as histórias que deixaram, mantendo a memória viva dos que se foram para que eles nunca fossem de verdade.

Era um modo tão genuíno e bonito de lidar com a morte.

Nathan também aprendeu o porquê de Miguel querer apresentá-lo para a família.

Se pretendia fazer parte da vida dele, iria acabar fazendo parte da família também, de tão unidos que eram.

Nathan não conseguia pensar em motivos para reclamar ou ir contra, não quando estava completamente encantado em participar e poder aprender mais.

Só queria apreciar os bons momentos de Miguel proporcionava, sem pensar muito além de nada. Como costumava fazer instintivamente quando mais novo.

E nem mesmo percebia ou parava para pensar sobre.

Peixes Fora do Aquário (✔)Onde histórias criam vida. Descubra agora