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Não fazia mais diferença entre a sua casa ou a casa de Roger. Em qualquer uma das duas, teria que estudar como um condenado ou, caso decidisse procrastinar para descansar, ser atacado por pensamentos que não queria por conta dos jogos universitários e etc e etc.

Nem Nathan se aguentava dentro da própria cabeça. Só queria sentir o alívio de terminar tudo e poder tirar uma soneca sem o medo de estar desperdiçando tempo, por que não precisaria fazer nada quando acordasse.

Só queria que o semestre acabasse.

Por isso, ele se arrastou como um zumbi pela casa de Roger na sexta feira tarde da noite – quando finalmente conseguiu sair da faculdade - sem registrar de verdade que havia dirigido até lá em vez da própria casa. Não viu nenhum dos Cartaz na sala, muito menos na escada para o segundo andar e o corredor.

Com a familiaridade criada por anos de incontáveis visitas, Nathan simplesmente seguiu para o quarto de Roger e iria entrar sem pensar duas vezes, muito menos bater, se a porta não estivesse entreaberta e pudesse ouvir vozes do cômodo.

Nathan congelou, vencendo o cansaço por conta da surpresa, e acabou se escondendo próximo à porta no corredor escuro antes de ser notado e poder pensar direito sobre isso.

Ótimo, agora ele havia tornado as coisas estranhas e difíceis de resolver, como sempre.

"Eu devia ter pensado nisso." Nathan ouviu a voz de Mônica, e espiando ligeiramente para confirmar, viu a garota encolhida na cama de Roger, com as costas apoiadas na cabeceira. Ela parecia... Genuinamente triste. E preocupada.

"Bom, mas eu não posso te culpar, por que tudo seria mais fácil se eu tivesse falado sobre isso, afinal de contas eu estava preocupado sobre isso desde o começo." Roger deu de ombros ao responder.

"Me desculpa por ser tão burra." Mônica grunhiu. "É claro que você 'tava preocupado sobre, é algo óbvio! É a primeira coisa que se pensa quando se conhece a alma gêmea."

"Mas não foi 'pra você." Roger respondeu baixinho, sem nenhum tipo de acusatória ou mágoa na voz. Só constatava os fatos com resignação. "Por que desde o começo eu nunca fui uma possibilidade romântica, alma gêmea ou não. Você nunca sentiu interesse em mim."

Mônica engoliu à seco por um instante ao ouvir isso. O que não era dito, mas podia ser entendido, era que Roger sentiu interesse por ela. Roger quis que aquilo funcionasse, e isso foi o que criou o maior machucado na situação toda.

"E você não precisa pedir desculpa, especialmente por ser burra, por que você não é." Roger continuou preenchendo o silêncio complexo entre os dois. "Eu... Eu fiquei com medo de fazer qualquer coisa e joguei a responsabilidade em você. Não existe lei falando que almas gêmeas precisam discutir possibilidades românticas quando se conhecem... Pelo menos não mais." ele fez careta, e Nathan o conhecia o suficiente para saber que pensava sobre algum fato histórico terrível que causou a careta.

Nathan solto uma respiração silenciosa. Sabia que não deveria espiar, mas agora não queria se afastar. E não era exatamente por querer ver se Mônica conseguiria tratar Roger bem o suficiente, por que só de olhar para o rosto dela conseguia reconhecer as verdadeiras intenções da garota.

Ela só queria consertar aquela bagunça.

Mônica estava sendo cem por cento sincera com Roger, por que não possuía motivos (ou o direito) de usar uma máscara protetora com ele. Totalmente diferente quando precisava lidar com Nathan, quem ela via como um problema. Com Nathan era a mesma atitude agressiva que... Ele mesmo sabia que usava, e bem mais do que Mônica.

Mas Nathan não sabia dizer também o por que de se não afastar, quando sempre soube dar a privacidade que as pessoas precisavam. Mesmo assim, estava preso pelo próprio corpo que se recusava a mover. Sentia, mesmo que de forma irracional, que precisava ver ou ouvir algo ali.

"Mas eu gostei de você de verdade." Mônica disse baixinho, dificultando para Nathan a ouvir. "Como amigo, eu digo. Eu te achei uma pessoa incrível, por que você é. E se eu queria mesmo valorizar a sua amizade... Eu teria pensado mais nos seus sentimentos antes de simplesmente fazer tudo pensando em mim mesma."

Nathan sabia que Roger deveria estar tão surpreso quanto ele ouvindo isso.

"Eu te conheci o suficiente para saber que isso era importante para você." Mônica continuou após uma pequena pausa, o observando. "Agora que a gente finalmente pode conversar e você me contou tudo, eu não fiquei surpresa por que faz total sentido. E essa é a pior parte: Eu não ter pensado em nada disso antes de ser tarde demais. Você não quer que eu coloque toda a culpa em mim mesma, mas é isso que está fazendo agora."

Roger ficou sem resposta.

"Ah... Eu..."

"Olha, Rô." Mônica se aproximou mais na cama para pegar a sua mão, olhando-o de uma forma gentil e compreensiva. "Nunca se considere o problema quando alguém faz algo errado 'pra você, acidente ou não. Eu tive que aprender isso da forma mais difícil. Tenho certeza que vai achar a sua alma gêmea de verdade ainda, e... Eu entendo se não for assim, mas eu espero poder 'tar lá 'pra te apoiar. É por isso que eu quero pedir desculpa de verdade 'pra você e achar uma forma de te recompensar."

"Você não precisa..."

"É claro que eu preciso!" ela o cortou daquele jeito assertivo dela, o olhando feio apenas por um segundo. "Eu não vou saber viver comigo mesma se eu não ter certeza que arrumei essa bagunça que eu criei."

"Por quê?" Roger questionou baixinho, e Mônica soltou a mão dele.

"Por que te afeta e eu gosto de você." ela disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. "Eu não sou nada válida se preciso machucar os outros para me sentir bem." Mônica arqueou as sobrancelhas. "Mas eu não sou idiota. Eu sei que vai levar um tempo 'pra você pensar nisso e aceitar. Então não vou te forçar a me dar uma resposta agora. Só queria que soubesse."

Roger demorou mais para responder. Mônica pareceu esperar por ele, os dois sendo banhados em silêncio novamente. Tirando a conversação baixa e calma que tinham, a casa era desprovida de barulhos, até mesmo dos efeitos especiais abafadas dos filmes que a mãe de Roger assistia, ou da cantoria desafinada do seu pai no banheiro ou as conversações animadas do irmão mais velho dele dentro do seu quarto em vídeos chamadas diferentes – para trabalho, para lazer, podia ser qualquer coisa.

Só tinha os três naquela casa.

Além de estar espiando algo pessoal e isso ser ruim, Nathan sentiu-se como uma criança que se intromete entre uma discussão de adultos. Poderia afirmar com facilidade que essa era uma das piores sensações possíveis, principalmente quando se deveria ser um adulto responsável ele mesmo.

Mas Nathan nunca se sentiu assim. Nunca se sentiu maduro o suficiente.

Não como Mônica era, pelo menos.

Por conta disso, Nathan apertou a mochila contra os dedos e, antes que fosse pego por qualquer um dos familiares de Roger recém chegados em casa, ou pelo casal de amigos dentro do quarto, Nathan decidiu ir embora o mais rápido o possível para a própria casa.

E não quis ouvir a resposta de Roger, por que não precisava. Já sabia qual era. 

Peixes Fora do Aquário (✔)Where stories live. Discover now