Raio de miúda!

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A espera fora talvez a parte mais dolorosa. Foi, na parada sala branca, que me apercebi do que estava a acontecer. Quando James me ligou não tive qualquer reação, entrei em choque e o mundo parou. Estava só e rodeado de pessoas. Todos ansiosos por notícias. Tinha arrepios e frio, suava, e nem a porta aberta deixava o ar quente fugir. Sentia-me tão vazio e tão cheio. De sensações e memórias. Jennifer fora alvejada e corria perigo. A sua bravura encaminhou uma bala até si e, por meros centímetros, podia a morena morrer. O meu maior medo concretizava-se. James estava abalado e culpabilizava-se por este incidente. Ele podia ficar sem a sua parceira. Eleanor sem a sua amiga louca. E eu sem a emoção e desafio de ter alguém tão belo e magnífico como ela.

Jennifer pedira a James para "lhe dizer que sim", talvez a mim, talvez prevê-se o pior e queria admitir que a minha teoria estava correta. Não podia ser, não queria que as suas últimas palavras fossem aquelas, para mim. Não queria que os seus últimos pensamentos fossem acerca duma coisa que odiava. Começava a sentir-me mal. Um aperto no coração e um suspirar impaciente vindo de James. Disse-me que me amava e eu cheguei a dizer-lho, todavia ela poderia não ter visto. Ela não poderia partir sem aceitar que eu a amo e a quero para sempre, que se for eu vou também - e não serei o único com certeza. Jennifer teria de ver os pais, percorrer a sua adorada cidade – como ela dizia "o singular Porto" – e ter mais umas quantas aventuras malucas pelo mundo. Ela precisava e o mundo também.

Eleanor chegou ao mesmo tempo que o homem de bata branca se aproximou de nós. Olhou-nos com os seus olhos vermelhos e aguados, sorrindo em seguida, como se nos quisesse lembrar do que Jen faria, da bravura que teria.

- Acompanhante de Jennifer Azevedo? –o doutor questionou seriamente.

Levantei-me com James e as minhas pernas tremeram. A seriedade do médico não nos indicava nada além do profissionalismo e da evidente longa carreira.

- Já a podemos ver? –quebrei o silêncio

- Calma, a maninha é forte –o senhor de cabelos grisalhos falou com uma pequeno riso.

Eleanor gargalhou e o ambiente ficou menos pesado. O doutor parecia estar também menos tenso e mais amigável.

- Não somos familiares –James declarou.

- Colega de trabalho e dois amigos? –o senhor olhou para os papeis que trazia e cerrou os lábios.

Não pode, de uma vez por todas, dizer se ela está bem? Tentei não parecer desesperado. Aguardei com os outros pelas palavras sábias.

- Sabem se os familiares demoram?

Depois de segundos, que pareceram uma eternidade, a única coisa que se ouviu foi a pergunta sobre a família de Jennifer. Eleanor explicou que ela estava sozinha, os familiares em Portugal e ela cá, já há vários anos, e que não tinha maneira de os contactar. Além disso, ambos sabíamos que era uma péssima ideia contactá-los.

- Raio de miúda! –o doutor decretou e os meus olhos arregalaram-se. - Sendo assim –voltou ao silêncio pensativo. Era difícil não falar. Todos queríamos notícias e o doutor parecia estar a adorar brincar com os nossos sentimentos e desejos. – vou abrir uma exceção! Quem é o primeiro?

Sorriu-nos e nós entreolham-nos.

- A miúda é forte, mais do que pensava! Ela veio mesmo sozinha?

Suspirei de alívio e logo gargalhamos respondendo afirmativamente.

(...)

O senhor de cabelos grisalhos acompanhou-me até à porta do quarto onde Jennifer se encontrava. Já nos tinha esclarecido e ela apenas tinha de estar em observação (não corria grande perigo) embora não pudesse fazer esforços. Bati levemente na porta branca e abri-a.

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