Show must go on

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Eu caí do vagão, querida

Eu caí de cabeça, temo que

Meu juízo está espalhado aqui e ali

Assim como Humpty Dumpty,

Eu sou um destroço

Eu quebrei o pescoço do meu frango de borracha

E eu caí de rosto

Oh, somos todos malucos, somos todos loucos

Um dedal de sanidade é tudo que já tivemos

Circus Contraption

Aperto os dedos frios de Jared entre as mãos, mais uma vez a morte passa em frente aos meus olhos. Eu não queria que terminasse assim, afago seu rosto, ele está sereno apesar de todo o sangue e machucados. Se eu tivesse ficado longe de Cain e Abel ele não teria me protegido, ele ainda estaria vivo... Fecho os olhos com força, mas as lágrimas continuam a escorrer, é tudo culpa minha.

Soluço e me debruço sobre ele... O frio de seu corpo se espalha por mim, eu sou Lilith afinal, a que leva todos ao inferno.

Inclino-me e beijo sua testa, Cain e Chess dizem coisas, mas nada faz sentido, meu mundo inteiro foi congelado embora as chamas continuem queimando.

Assusto-me quando Chess toca meu ombro, encaro-o e depois abaixo o olhar.

- Hora de ir. - Ele diz baixo e me puxa pelos ombros.

Assim como já fez inúmeras vezes ele me segura no colo, me sinto tão inútil, tão fraca... Olho para baixo parece que ele está dormindo, assim como quando ele foi para casa, nós dormimos lado a lado, ele só está dormindo pra sempre.

- Vamos. - Cain para ao nosso lado, seus olhos focados em Jared.

- Mas... - Engulo em seco. - Não vamos levá-lo conosco?

Cain abaixa a cabeça e nega, ele se ajoelha e Chess começa a caminhar nos afastando deles.

- Deixe Cain se despedir em paz. - Ele afaga minhas costas.

Enterro meu rosto em seu ombro, Cain o amava, ele nunca vai me perdoar. Aperto o terno de Chess entre os dedos, até eles doerem. Eu não quero isso nunca mais, não quero que ninguém morra assim, não só Jared, mas também Ikki, Ananda, o pequeno Seva, as prostitutas que Jack matou, Rebecka... Passo os braços ao redor de Chess e soluço, eu quero que todos fiquem bem, até mesmo o Bell, ele não é mau, só está confuso e assustado, tem que ter um jeito de silenciar Vorpal, de trazê-lo de volta.

Enquanto ainda tiver uma esperança, por menor que seja eu vou me agarrar a ela e lutar com unhas e dentes, até que eu possa encara a maldita que causou tudo isso de frente e lhe perguntar o porquê disso tudo. Quero olhar nos olhos de Alice e entender porque ela destruiu meu mundo dessa forma.

Assusto-me quando Chess volta a caminhar e sou tirada de meus pensamentos, abro os olhos, Cain está ao nosso lado, a chave em formato de coração na mão, olho por sobre o ombro de Chess, e pela última vez encaro a figura deitada imóvel, como se estivesse apenas repousando, pequeno demais para ser adulto, grande demais para ser criança, minha visão fica borrada e as chamas dançam o levando para seu sono eterno enquanto saímos do inferno.

XXX

As paredes se abrem quando passamos, assim como se abriram para Abel, assim como quando me engoliram, Cain não derramou mais nenhuma lágrima e não disse nada, ele está vazio como quando voltou do internato para o velório de nosso pai, frio, distante, morto por dentro...

Chess nos guia como se conhecesse cada quadrado daquele labirinto, quando cruzamos uma parede encontramos os outros. Bankotsu e Jaken estão sentados juntos, um se apoiando no outro, Barbie está do outro lado do corredor, sentada em frente aos dois, ela parece bem cansada, engulo em seco, Cain não para, continua caminhando e passa por eles, sem encarar ninguém.

Chess me solta, encaro seus olhos cansados, ele suspira e desaparece. Respiro fundo e passo pelos outros, Cain já está seguindo em frente, seguro seu braço e o puxo, fazendo-o me encarar.

- Sinto muito... - Sussurro, suas pupilas se afinam, engulo em seco. - Eu sei que... Eu também o amava, talvez não como você, mas Cain...

Ele puxa seu braço e continua a andar. Vazio. Assim como antes. Tudo que eu consegui se perdeu. Cain é ele mesmo, mas mesmo assim algo estranho se esconde atrás de seus olhos, algo que não estava ali antes, engulo em seco, Jaguadarte.

Escuto passos atrás de mim e não preciso me virar para entender que estamos partindo, antes que as ruínas desse circo queimem nossas almas.

XXX

Subimos mais níveis que os do inferno, mais corredores do que eu pude contar, mais paredes que se dissipavam como ar, para enfim pisar na grama verde da planície enlameada atrás da National Gallery, vejo pessoas desesperadas correndo, água sendo jogada, e corpos deitados ao lado do circo em chamas.

- Quanto tempo nós ficamos lá...? - Murmuro com a voz rouca.

- Talvez algumas horas. - Jaken apoia uma mão em meu ombro. - Talvez minutos, ou quem sabe dias, o tempo é louco.

Engulo em seco e encaro o céu manchado por fumaça, a manhã já começa a raiar. Uma madrugada foi apenas uma madrugada que mudou tudo, que levou vidas. Suspiro pesadamente.

Um grito agudo me assusta, viro-me para ver quem grita e sou apertada por braços carinhosos, ergo o olhar, Chevonne sorri em meio às lágrimas, ah... Mordo o lábio, eu estou em casa... Passo os braços por sua cintura e enterro meu rosto em seu peito voltando a chorar.

- Estan tudo bem, garrotinha. - Ela segura meu rosto entre as mãos. - Estamos todos aqui...

Inclino meu rosto e posso ver Marcel discutindo com alguém alto, Can...

Ambar para ao seu lado, os últimos integrantes do circo, os dois que sobreviveram. Noto mais pessoas, Emmeline, Yue, Matthew, Scorpio e até Meredianna!

Chevonne sorri bondosamente, sorrio de volta. Ela deve pensar que só ficamos presos dentro do circo, um dia ou apenas horas, foi o que Jaken disse, para a Nonsense só sumimos por poucos minutos, mas nós sabemos o que se passou naquele labirinto, e o que ele levou de nós.

- Vocês chegaram tarde demais. - Sussurro, sua expressão muda para o choque. - Desculpe...

Afasto-me dela e procuro Cain com o olhar, ele está sentado ao longe, afasto-me de Chevonne, caminho até onde Cain está e me sento ao seu lado. Estamos no topo e posso ver o céu clareando, as estrelas sumindo, respiro fundo, tão perto, mas tão distante.

Estico minha mão e entrelaço nossos dedos frios. Cain inclina sua cabeça e posso ver as lágrimas borrando seu rosto sujo de fuligem, e um sorriso brincando em seus lábios.

- Sabia...? - Ele murmura e ergue seu olhar. - Que eu também tenho olhos azuis como os seus?

Cain ri, ele solta nossas mãos, e se curva abraçando os próprios joelhos, seus soluços altos fazem meus olhos encherem de lágrimas, que droga. Engulo minhas lágrimas e o puxo para perto enterrando minhas mãos em seus cabelos e seu rosto contra meu peito.

- Não precisa sofrer sozinho, porque eu estou aqui com você.


The Ripper - Saga Maurêveilles - Livro umOnde as histórias ganham vida. Descobre agora