Capítulo 2 - Tormenta e latidos

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O João me falou que o cara da estátua é aquele presidente que se matou. O tal do Getúlio Vargas. É! Esse mesmo! Que dá nome a pelo menos uma avenida, rua ou praça em cada cidade do Brasil. Pelo menos é o que dizem. Não sei quem diz, só sei que alguém diz. Ah! Isso não importa. Você já deve estar entediado com esse papo. Deixe-me mudar de assunto. Ou melhor, vou voltar ao assunto da invasão de minha mente pelos pensamentos de Quem. Como eu estava contando, o tal do indivíduo acabou com a minha privacidade cerebral da noite para o dia. Dormi para tentar me esquecer de Clara e me lembrei dela mais ainda.

Eu caminhava por estranhas paisagens, quando Clara apa­receu à minha frente. Vinha linda e radiante como sempre; cabelos soltos, voando ao compasso do vento; sorriso largo e olhos faceiros, que desenhavam no ar o que ela guardava em seus pensamentos. Detive-me a alguns passos dessa encantadora visão. Esperei que se aproximasse de mim. Ela também parou. Clara estava vestida para matar. Para me matar! Digo, para matar Quem. Ou não? Sinto que era eu mesmo. Chego a ter certeza disso. Depois, vamos descobrir. Con­ti­nuemos...

Clara me chamou suavemente: "Vem aqui, vem". Eu dei um passo adiante. Ela deu outro, para trás. Voltei a avançar. Ela recuou novamente. E fizemos esse jogo mais umas cinco vezes, até que resolvi dar passos mais apressados. Parecia uma cena dessas típicas comédias românticas. E assim continuou. Ela se virou e começou a correr. Corri atrás. E aquela estrada de terra parecia nunca acabar. Chegamos então a um largo campo, que se parecia mesmo com uma pastagem. Mas a grama estava bem rasteira. E eu não conseguia alcançá-la de jeito nenhum. Ela corria e ria ao mesmo tempo. Como se as duas coisas fizessem parte de uma mesma ação. Eu já não achava mais graça em nada, só em Clara, é claro. Ofegava feito um doido. Meu coração batia acelerado, pedindo pie­dade. Eu não quis ouvi-lo. E a pedra que se pôs diante de meu pé, apenas precipitou a minha queda. O azul do céu se misturou ao verde do chão e aos negros olhos de Clara e ao branco das nuvens e ao branco, branco, branco, interminavelmente branco... Não sei do quê.

Silêncio. Passaram-se horas e horas. Dias. Semanas. Me­ses, talvez. Nem sei se já terminaram. Eu sentia as suaves mãos de Clara em meu rosto, mas não sentia a vida pulsando em meu peito. Despertei desesperado, quase sufocando. O lençol envolto em minha cabeça tapava-me a vida. Estava todo molhado e era branco. O lençol... Esse era eu mesmo, na manhã em que perdi metade de minha iden­tidade.

O pesadelo tinha me lançado ao mundo da dúvida. Não sabia se era real, se era uma lembrança real ou se era um pesadelo baseado em lembranças reais. Minhas, elas não eram. Mas pareciam ser. Sentia uma absurda saudade de Clara. Pensava nela como em alguém que fizesse parte de minha vida há muitos anos. Alguém que estava distante por um motivo desconhecido. Queria tê-la comigo. Porém, não sabia como.

Olhei-me no espelho e não me reconheci. Onde estava o meu rosto? Quem era aquele estranho a me fitar? Olhei ao meu redor e o quarto gritava: "Intruso, intruso! Saia daqui!". Abri a porta, andei pela casa, fui até a cozinha, abri outra porta e saí para o quintal, onde vi o meu cachorro. Ele latiu ensandecido desde o primeiro instante em que me viu, como se não se lembrasse de mim. Mas eu me lembrava dele. Ou não? Acho que sim... Era estranho ele não se lembrar.

Voltei para o meu quarto. Abri a gaveta e peguei as fotos que olhara no dia anterior. Clara ainda não estava lá. Mas de todos os outros que estavam, só me lembrava do João e de Eliza, minha irmã. De alguns outros até me recordava um pouco, contudo, não conseguia dar-lhes um nome.

Tentei recordar de nomes para ligá-los às pessoas. Vários se desenharam em minha mente, mas com rostos diferentes dos que eu via nas fotos. Entrei em pânico. Liguei para o João. Ele não estava. Liguei para Eliza. Ela também não estava. Deixei-me cair na cama. Chorei durante toda a ma­nhã. E o cachorro... con­ti­nuou latindo.

E aí, o que você achou desse segundo capítulo? Se você gostou de verdade ou quiser me fazer um agrado, aperte a estrelinha do votar! Depois, deixe o seu comentário, a sua dúvida ou até mesmo o seu lamento, que eu responderei com o maior prazer

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Memórias de QuemWhere stories live. Discover now