Capítulo 15 - A traição

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Clara dançava, girava e ria muito. Quem tentava dominá-la, fazê-la aquietar-se por alguns instantes, mas não conseguia. A música que os amigos cantavam era inspiradora e o álcool já transfigurara os seus sentidos. Tudo era alegria para ela, mesmo numa noite sem luar. Ele a havia convidado para essa festa na praia, um típico luau subversivo, porque deixara de lado a própria lua.

Coisa de gente maluca? "Não, de gente que tem brilho próprio", dizia Clara. Mesmo sendo apenas uma convidada, ela defendia o grupo como se já fizesse parte dele há muito tempo. Essa me parece ser uma das características mais marcantes de Clara: a facilidade de se relacionar com as pessoas, de fazer novos amigos instantaneamente, de se tornar parte de algo num piscar de olhos. E que olhos, os de Clara!

Algumas mulheres podem até ter os olhos negros como os dela, cravados em um rosto alvo e realçados por cabelos também negros. Mas não sei se alguma outra, além de Clara, reúne todas essas características e ainda possui um olhar com o magnetismo de um luar de verão. Com esse olhar, ela seria capaz de enlouquecer qualquer homem e transformá-lo em seu escravo. Parece exagero, mas não é. Naquela noite, Quem soube disso. Cinco de seus amigos saíram de lá completamente apaixonados por Clara. Um deles bebeu demais e, em um momento em que Quem conversava com outras pessoas, chamou Clara para caminhar até o mar. Ela aceitou e eles foram.

Eduardo era amigo de Quem havia muitos anos. Estudavam juntos desde meninos. Ele era quase tão amigo de Quem quanto o João. O João... Espera! O João? Amigo de Quem? Será outro João ou estou misturando de novo as histórias? Ou será o mesmo João e estou misturando os amigos? Digo, ou estou confundindo os nomes? Não sei. Estou confuso agora. Faça de conta que eu não escrevi nada sobre o João. Considere apenas que o Eduardo era muito amigo de Quem, mas que alguém era mais ainda.

O Eduardo era algo como o segundo melhor amigo. Pois bem, diante disso, Quem sempre confiou plenamente nele. Assim, quando viu que Clara e ele estavam na beira do mar, conversando, não se preocupou. Mas deveria ter se preocupado.

Clara ouvia a cantada de Eduardo, como quem ouve a chuva cair quando tem de esperá-la parar. Porém, seus olhos pareciam atentos, concentrados e interessados. Seus lábios deixavam que um sutil sorriso animasse ainda mais o esperançoso homem apaixonado. E Eduardo falava e falava. Quando terminou, Clara disse apenas: "me ligue quando chegar em casa". Virou-se e voltou para o luau. Quem não lhe perguntou nada. Foram embora depois de algum tempo, pois Clara reclamara que estava com mal estar porque bebera demais. Eduardo saiu logo depois.

Quem ficou sabendo, no dia seguinte, que Clara e Eduardo foram vistos juntos em outro ponto da praia, distante de onde estavam fazendo o luau. E não estavam mais conversando, mas beijando-se loucamente. Provavelmente, devem ter ido para outro lugar depois. Mas isso Quem nunca soube com certeza. E ninguém ousou tocar no assunto.

A cabeça de Quem explodia de raiva, depois que outro amigo que se apaixonara por Clara lhe revelara a traição de Eduardo. Levantou-se da cama, tomou um banho, vestiu-se, pegou a arma de seu pai, a chave do carro, e caminhava rumo à garagem, quando o telefone tocou. "Alô... O quê? O João, o quê? Para de brincadeira, cara. É sério? Em que hospital ele está? Estou indo pra lá?".

Quem guardou a arma e saiu correndo para o hospital. Engraçado, ele foi ver o João... De novo o João apareceu nas memórias de Quem. E, não sei por que, parece-me que é o mesmo João que é meu amigo. Mas como pode ser? Será possível? Ou será que não é o João? De novo essa confusão na minha cabeça...

Quem chegou ao hospital. Foi até a recepção e perguntou pelo Eduardo. "Em que quarto está Eduardo?". Não, espera aí... Não era para perguntar pelo João? Era... Eu me confundi. Ele perguntou: "em que quarto está João Victor?". A moça da recepção respondeu: "João Victor? Não tem ninguém com esse nome internado aqui. O senhor tem certeza de que veio ao hospital certo?" Quem olhou, pensou e respondeu: "não, eu não tenho...". Virou-se, voltou para casa e dormiu até o dia seguinte.

Memórias de QuemWhere stories live. Discover now