CAPÍTULO 1 - SEXTA-FEIRA

38 3 33
                                    

1

— Odeio quando você inventa de pegar estas ruas escuras no meio da noite – resmunga Solange.

— Está reclamando do que? – replica Roberto, seu esposo.

— De nada.

— Então mude esta cara feia e fale comigo mais alto.

— Não tenho como mudar. Nasci com ela e com ela vou morrer.

— Não mesmo! Esta não é a mesma carinha linda pela qual um dia me apaixonei! – responde Roberto sorrindo para sua esposa enquanto a segura pelo queixo e olha seus olhos castanho-claros, suas bochechas tão redondas e cheias como a lua cheia, mas que ele prefere associar a um lindo Sol flamejante.

— Amor, de olho na estrada.

— Meus olhos são apenas para você, Meu Sol.

E antes mesmo que alguém mais naquele veículo pudesse articular qualquer som, um par de luz branca surge atrás deles. Roberto é o primeiro a perceber por conta dos espelhos retrovisores que refletem a luminosidade, na sequência Solange nota a iluminação extra na paisagem e tenta olhar pelo retrovisor do lado do passageiro, contudo não consegue ver direito quem se aproxima deles. O veículo de trás avança rapidamente e pede passagem com buzinas prolongadas e, mesmo a contra gosto de Roberto, ele abre caminho para o motorista apressado, dirigindo-se o mais próximo possível da guia enquanto observa quem o está ultrapassando, entretanto nada consegue ver além dos escuros vidros de um luxuoso carro preto. Roberto fica frustrado em não poder olhar a fisionomia do motorista e por não reconhecer o carro, principalmente pelo fato de tê-lo admirado. Bem diferente do seu Corsa sedan verde e com um amassado próximo da tampa de combustível, que ele sempre planeja consertar, mas nunca arranja dinheiro suficiente para isso.

— Viu que cara folgado? Só porque tem aquele carrão ele se sente o dono da estrada – critica Roberto.

Solange permanece quieta observando a vista a sua frente e sem dar atenção ao comentário do marido, o que o deixa ainda mais zangado.

— Ouviu o que falei, Solange? Onde está com a cabeça?

— Bem aqui, mas sem me importar. Se ele corre dessa maneira deve ter seus motivos, e se não tiver o problema continua não sendo nosso.

— Você está com um humor e tanto.

— Meu humor só vai melhorar quando sairmos deste lugar estranho e apagado. – Ela olha ao redor e tudo que consegue enxergar são árvores que passam por eles e quase nenhum poste de luz. O caminho que seguem é uma rua deserta e larga para ambas as direções. De um lado ela é cercada por um muro alto que leva a um barranco e, do outro lado, segmentos de muros e portões que escondem algumas fábricas e galpões. — Por que temos que sempre seguir por estas ruazinhas, Betinho?

— Por ser mais rápido e tranquilo. Aqui não sofremos riscos de acidente como na avenida ou aquela rua principal – explica Roberto. — Veja a tranquilidade. Sem carros, caminhões, motos e sem semáforo algum.

— E quanto aos ladrões? Não acha que eles são um perigo também?

— Aqui nem tem onde se esconderem, amor. São apenas paredes dos dois lados e umas árvores de tronco fino. Péssimo lugar para uma emboscada.

— Falou o especialista.

Roberto novamente atrai sua atenção pegando em seu queixo, então a olha com total simpatia e diz:

— Meu Sol... eu te amo demais. Acha que te colocaria em risco, por menor que fosse?

Solange tenta esconder seu nervosismo e sorri apontando para frente, o que alegra Roberto e o faz retribuir com um mesmo sorriso. No instante seguinte ele larga o queixo da esposa e dirigi sua atenção à pista, mas quando ambos olham para frente são surpreendidos por duas luzes vermelhas a poucos metros de distância. Roberto segue os seus instintos automáticos pisando forte no freio, no entanto o veículo segue derrapando ruidosamente. Solange, de olhos arregalados, entra em pânico e olha para seu marido, em seguida vira-se para trás e vê seu filho de seis anos dormindo tranquilamente na cadeira infantil localizada na parte central do banco traseiro. O sedan continua avançando de encontro ao veículo da frente, Roberto vira o volante ao mesmo tempo em que bate forte na buzina, entretanto seu carro não responde de imediato ao comando dado e choca-se violentamente com o automóvel preto de luxo. A amedrontada mãe do menino só teve tempo para pular para a parte de trás do carro na tentativa de agarrar seu filho, contudo antes mesmo que pudesse aproximar-se dele, ela volta para frente batendo suas costas no painel e a cabeça no parabrisa. Roberto e seu filho, por outro lado, conseguem se salvar de danos maiores por conta do cinto de segurança. Mesmo assim o pai da criança não se salvou de todo e atingiu a cabeça no volante, desnorteando-o por um momento.

Sob os olhos da MorteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora