CAPÍTULO 3 - SEXTA-FEIRA

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Alguns despertadores já começam a soar anunciando mais uma manhã de afazeres. André levanta apressado, lava o rosto e quando chega à cozinha ele começa a engolir seu café da manhã sem mastigar direito. Seu pai ainda dorme e ele não pensa em fazer barulho, no entanto é difícil permanecer em silêncio nessa pressa em que está agora. Seu despertador parece do tipo que só funciona quando e como quer, e não quando lhe é programado.

Tudo acertado, o rapaz se vê pronto para sair, mas antes dá uma espiada no quarto do pai e observa se está tudo bem com ele.

Papoulo é um senhor de sessenta e cinco anos, com problemas respiratórios e que vive apenas com seu filho, desde a morte de sua esposa. Além do problema de respiração ele também sofre do coração e necessita do uso de um marca-passo.

Com seu pai estando em paz, André agora precisa correr para pegar o ônibus. Apesar de morar perto do serviço e até poder ir a pé, o atraso de hoje o obrigará a pagar por um transporte público, aliás, esta já é a quinta vez no mês que ele acorda atrasado por culpa do despertador, felizmente em todas essas ocasiões, conseguiu chegar à loja a tempo, apesar de ficar sem fôlego em todas as corridas.

André sai pelo portão do fundo da casa, que dá acesso a uma viela com um leve aclive. No meio do trajeto há um estreito corredor que o cruza. Com uma corrida ligeira por esse corredor ele já se encontra na metade de um grande escadão. Deste ponto é possível avistar seu ônibus fechando as portas para partir, fazendo-o gritar e correr ainda mais para que não perca sua última chance de chegar sem atraso ao trabalho. Seu peito queima a cada partícula de ar que entra e sai de seus pulmões. É como se seu corpo fosse despencar rolando escada abaixo, mesmo assim ele não para de correr e gritar. Apenas ao chegar ao topo do escadão e ver que as portas da sua condução estão se abrindo novamente é que ele pode, enfim, respirar mais aliviado e caminhar normalmente, entretanto não de forma tão natural quanto desejaria que fosse. Seu corpo já não tem mais forças e ele sente que irá cair se não se segurar nas barras de apoio do veículo. Mesmo a mais suave das respirações parece lhe arranhar a garganta, peito e fazer com que seu coração queira sair pela boca.

— Calma, meu jovem! – sorri o motorista. — Não vá morrer à toa. Aqui não tem disso de correr atrás da condução como nas grandes cidades. É a condução que corre atrás dos passageiros. RÉ-RÉ-RE-RE-RÉ-RE-RE!

André sorri de volta já sentindo sua força normalizando enquanto segue até a catraca.

De fato, em Miraranquara é normal ver ônibus e micro-ônibus pararem fora do ponto, esperarem pelos passageiros rotineiros, que eventualmente não estão no ponto no horário em que costumam estar e até mesmo buzinarem quando passam em frente da residência de alguns desses passageiros atrasados.

Por fim, André chega ao seu destino e imediatamente seus companheiros de trabalho o cumprimentam cheios de ovações. Sem delongas, a porta se abre e todos começam a entrarem na loja e se prepararem para a abertura dela.

É sabido por todos que há dois anos André teve um problema com a justiça relacionado a um assalto seguido de assassinato, da qual ele pouco participou, mas foi cúmplice dos atos do autor dos crimes. Por nove longos meses o rapaz teve que prestar serviço comunitário no posto de saúde maior, mais conhecido pelos cidadãos como mini-hospital. Desta vez, mais uma pessoa dessa loja está com problemas com a lei e logo todos da RLInfor ficarão sabendo do ocorrido. Até lá cada um se ajeita em seus lugares e esperam a chegada dos clientes.

André se acomoda em sua mesa e abre seus materiais da universidade para ir estudando ao mesmo tempo em que trabalhará. O curso neste último semestre está difícil de seguir, mesmo para ele que sempre se mostrou inteligente e com grande facilidade de aprendizagem. Até o seu rendimento no serviço está menor devido às correrias do curso. Entretanto a maior distração de André está, na maior parte do tempo, sendo causada por pensamentos em seu antigo serviço comunitário. Que acabou justamente quando já estava começando a se acostumar e gostar de tudo que fazia.

Sob os olhos da MorteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora