CAPÍTULO 3 - ONTEM

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É mais um dia de trabalho e seu parceiro e ele seguem pelas mesmas ruas de sempre. Atentos a qualquer barulho, vulto ou mesmo pessoa duvidosa. Como de costume eles não conversam muito quando estão em ronda, mantendo suas atenções no trabalho, embora umas palavras ou outras sempre sejam trocadas.

Nesta noite o assunto é o colega deles que, infelizmente, perderá uma perna na cirurgia marcada para hoje. Por maior que seja o risco e sempre sabendo que em suas missões eles podem perder a vida ou mesmo uma parte do corpo, seguem com seus trabalhos cheios de coragem, tendo todo o cuidado na hora de agirem e protegendo tanto a si mesmo quanto ao companheiro. Contudo uma dessas coisas faltou para o colega deles, que deve estar na mesa de cirurgia há esta hora.

Davi está na polícia há cinco anos e nove meses, tendo já dois parceiros diferentes e sem nunca ter sofrido um grave ferimento de trabalho, embora já tenha visto a morte de perto algumas vezes. É casado e possui um garoto de nove anos que, apesar de não ser seu filho, ele o adora como se fosse. Eles nunca perdem um parque ou circo que chega à cidade e sua prio-ridade ao sair para cumprir com seu dever, é de dar um beijo e um forte abraço em seu enteado e esposa, além de dizer com todas as letras o quanto ele os amam e de que voltará o quanto antes. Pois só assim consegue ter a certeza de que cumprirá com sua promessa.

Tempos atrás suas rondas eram tranquilas, nada de grande costumava acontecer pela cidade. Os poucos casos que recebiam no rádio eram meros distúrbios residenciais ou uns garotos que beberam demais e começaram a importunar a vizinhança, todavia os números de assaltos, homicídios e sequestros aumentaram de forma alarmante para uma cidade pequena como esta.

Visitas nem pensar. Poucos pensam em sair da rodovia principal para conhecer esta cidade fim de mundo onde vivem; aliás, nem placa de entrada se encontra na rodovia. Mesmo assim ele não troca Miraranquara por nenhum outro lugar que lhe ofereçam trabalho. Ali ele cresceu e se criou e ali ele quer que seu enteado também cresça e progrida. Até porque esta não é uma daquelas cidades que vemos nos filmes onde todos se conhecem e nada se faz. Um exemplo disso é este carro desconhecido parado no meio da rua de portas abertas neste lugar de risco.

Aproximando-se lentamente com a viatura, eles se deparam com uma mulher desfale-cida no banco motorista e logo a frente está um homem caído no chão, próximo a outro carro.

Os dois policiais sacam suas armas e saem atentos da viatura a qualquer ofensiva contra eles. Enquanto Davi se aproxima do homem desmaiado, seu parceiro olha o interior do veículo de trás. Davi agacha-se e, antes de olhar os sinais vitais da vítima, ele olha ao seu redor para checar se está tudo seguro. Depois disso caminha até o carro da frente e presencia uma cena chocante demais.

— Merda! Mas que porra aconteceu aqui?

— Davi, tem uma criança de uns quatro a seis anos no banco traseiro. Ele chora bas-tante, mas parece bem e seguro. Já a mulh... – Um vulto na janela do lado do passageiro in-terrompe o policial que age de imediato. — Parado aí moleque!

Ao escutar seu parceiro, Davi vira-se já apontando a arma para o estranho que surgiu e ordena que levante as mãos e as coloque sobre a viatura. O garoto obedece assustado. Após dar a volta no sedan, ele coloca suas mãos no capô da viatura e já abre as pernas.

— Você está armado? – indaga o outro policial.

— Não, senhor.

— Tem mais alguém com você?

—... Não, senhor. – Esta resposta não foi tão imediata quanto à primeira.

Após algemar o jovem, o policial conta que a mulher recebeu uma forte pancada na parte de trás da cabeça. Nisso o garoto já se adianta em sua defesa dizendo que não foi ele quem fez isso com ela, todavia ambos nem parecem o ouvir, ao invés disso Davi comenta que o pior mesmo é o que ele viu no outro carro. Os policiais vão trocando suas posições e quando ele olha o veículo preto, vê algo insano.

— Moleque, o que cê fez aqui?! – Surpreende-se o policial.

— Nada não, senhor. Não fui eu quem fez isso, não.

— O que faz aqui então? – indaga Davi. — Acha que não te conhecemos?

O garoto fica mudo. Então o policial, ainda estupefato com a cena que presenciou, aproxima-se dele e começa a revistar. Enquanto isso Davi continua com a arma apontada para ele, até que neste momento um vulto pula sobre suas costas e tenta alcançar sua pistola, mesmo em meio a tantas cotoveladas que recebe na região da barriga e costelas. Visto que o sujeito não desgruda dele, Davi toma uma ação rápida e se joga para trás e cai com todo o peso de seu corpo contra o agressor, mesmo assim este luta para alcançar seu tão almejado prêmio e continua a esticar o braço para pegar a arma. Os esforços são inúteis e o tempo é curto. Ele sabe que logo o outro policial virá, portanto a solução mais cabível neste momento é acabar de vez com a briga e fugir dali. Nisso ele saca sua faca e golpeia o policial com quem está lutando e foge logo em seguida. Ou por grande habilidade no manejo do objeto ou por mera sorte, a lâmina passa por dentro da gola do colete e atinge o peito.

Nesse meio tempo o outro policial jogou o garoto detido dentro da viatura e correu ao socorro do amigo, e quase é esfaqueado também, este próximo à garganta. O esfaqueador, por sua vez, foge do local pelo buraco no muro de proteção do barranco.

Sob os olhos da MorteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora